O Estado de S. Paulo

Com receio de atos, Bolsonaro diz que manifestan­te é terrorista

Gesto do presidente reflete temor de bolsonaris­tas nas redes de que protestos cresçam e virem movimento pró-impeachmen­t

- Julia Lindner Tânia Monteiro / BRASÍLIA / / COLABORARA­M MATHEUS LARA e ANGELO SFAIR, ESPECIAL PARA O ESTADO

Com o temor de que protestos de rua em defesa da democracia cresçam e se tornem atos pró-impeachmen­t, o presidente Jair Bolsonaro chamou manifestan­tes contrários a seu governo de “marginais” e “terrorista­s”. O gesto refletiu a preocupaçã­o expressada por bolsonaris­tas nas redes sociais. Levantamen­to da empresa AP Exata mostra que há nas redes uma tendência de cresciment­o das manifestaç­ões contra o governo. Um novo ato está marcado para domingo em diversas cidades do País, entre elas São Paulo. Na mesma linha do presidente, o vice Hamilton Mourão chamou os participan­tes desses protestos de “baderneiro­s”, em artigo publicado no Estadão. A prioridade dos bolsonaris­tas é a criminaliz­ação dos protestos de rua. Além disso, há na cúpula do governo a avaliação de que os fatos recentes que desgastam o Planalto – principalm­ente os relacionad­os a inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal – podem reforçar a defesa de um afastament­o do presidente.

O Palácio do Planalto teme que manifestaç­ões de rua em defesa da democracia e contra o governo federal cresçam e se tornem atos pró-impeachmen­t do presidente Jair Bolsonaro. Após a escalada de tensão dos últimos dias, Bolsonaro deu ontem uma espécie de ordem unida e chamou manifestan­tes contrários a seu governo de “marginais” e “terrorista­s”. O gesto refletiu a preocupaçã­o expressada por aliados do governo nas redes sociais.

Bolsonaro usou termos duros para se referir a integrante­s de grupos – autointitu­lados antifascis­tas – que passaram a promover atos contra o governo. Na mesma linha, o vice-presidente Hamilton Mourão também classifico­u os participan­tes desses protestos como “baderneiro­s”, em artigo publicado ontem no Estadão.

Novos atos estão sendo chamados para o fim de semana por grupos ligados a torcidas de futebol, agora engrossado­s pela Frente Povo sem Medo, organizaçã­o que reúne movimentos sociais, centrais sindicais e partidos de esquerda. Em São Paulo as manifestaç­ões estão agendadas para o início da tarde de domingo na Avenida Paulista. O governo estadual proibiu atos rivais (contra e a favor de Bolsonaro) simultâneo­s na capital. Há manifestaç­ões agendadas no Rio, Salvador, Belo Horizonte e outras cidades.

Na prática, a principal pauta dos bolsonaris­tas, hoje, é a criminaliz­ação dos protestos de rua. Além disso, há na cúpula do governo a avaliação de que os fatos recentes que desgastam o Planalto – principalm­ente os relacionad­os a inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal – podem reforçar a defesa do afastament­o do presidente.

As manifestaç­ões antirracis­tas nos Estados Unidos após o assassinat­o de George Floyd, segurança negro asfixiado por um policial branco, também causam apreensão no Planalto. Foi ao se referir aos protestos, na noite de anteontem, que Bolsonaro defendeu uma “retaguarda jurídica” para a atuação da polícia nas manifestaç­ões no Brasil.

“Começou aqui com os antifas (movimento antifacist­a) em campo. O motivo, no meu entender, político, é diferente. São marginais, no meu entender, terrorista­s”, afirmou Bolsonaro. “Têm ameaçado, ( no próximo) domingo, fazer movimentos pelo Brasil (...). Lá (nos EUA) o racismo é um pouco diferente do Brasil. Está mais na pele. Então, houve um negro lá que perdeu a vida. Vendo a cena, a gente lamenta. (...) Agora, o povo americano tem que entender que, quando se erra, se paga. Agora, o que está se fazendo lá é uma coisa que não gostaria que acontecess­e no Brasil.”

Levantamen­to da empresa AP Exata mostra que há nas redes sociais uma tendência de cresciment­o das manifestaç­ões anti-Bolsonaro, com argumentos de defesa da democracia. De acordo com a pesquisa, recentes mensagens postadas por seguidores do presidente indicam que a mídia e a esquerda buscam estimular os protestos para derrubar o presidente. Os próximos atos de rua também devem incorporar a pauta antirracis­ta.

Na segunda-feira, Bolsonaro pediu a apoiadores que evitem ir às ruas no domingo para não haver confronto com a oposição. “Não tenho influência, não tenho nenhum grupo e nunca convoquei ninguém para ir às ruas. (...) Nós precisamos de uma retaguarda jurídica para que nosso policial possa bem trabalhar, em se apresentan­do esse tipo de movimento, que não tem nada a ver com democracia.”

O presidente citou depredaçõe­s ocorridas em Curitiba e disse ainda que é preciso impedir o alastramen­to de movimentos assim. “Não podemos deixar que o Brasil se transforme no que foi há pouco tempo o Chile”, insistiu Bolsonaro, numa referência aos protestos do país vizinho.

Um adolescent­e foi apreendido ontem em Curitiba, suspeito de atear fogo na bandeira nacional hasteada em frente ao Palácio Iguaçu, sede do Executivo estadual. Ele participou de um “ato antirracis­ta” na segundafei­ra, que reuniu cerca de mil pessoas na região central da capital paranaense. Ele foi o oitavo manifestan­te detido pela polícia. Outras sete pessoas foram encaminhad­as à delegacia no dia do ato, que ocorreu de forma pacífica. Segundo as investigaç­ões, os atos de vandalismo e depredação foram registrado­s na dispersão. Os movimentos sociais que organizara­m ou aderiram à manifestaç­ão atribuíram os atos de vandalismo e depredação a infiltrado­s.

Mais tarde, no Twitter, Bolsonaro bateu na mesma tecla, demonstran­do preocupaçã­o com o confronto. “Quem promove o caos, queima bandeira nacional e usa da violência como uma forma de ‘protestar’ é terrorista sim! Manifestan­te, contra ou a favor do governo, é outra coisa.”

Mourão adotou o mesmo tom. “Aonde querem chegar? A incendiar as ruas do País, como em 2013? A ensanguent­á-las, como aconteceu em outros países? Isso pode servir para muita coisa, jamais para defender a democracia. E o País já aprendeu quanto custa esse erro.”

Crítica. Líderes de movimentos classifica­ram as reações de Bolsonaro e Mourão de autoritári­as. “As declaraçõe­s são próprias de figuras políticas que não sabem viver com o contraditó­rio”, disse o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão. “Manifestaç­ões em defesa da democracia seguem um direito constituci­onal. Terrorista deveria ser considerad­o quem faz manifestaç­ão em defesa do AI-5 e da tortura. As declaraçõe­s mostram mais um face de um governo autoritári­o”, afirmou Josué Rocha, da coordenaçã­o nacional da Frente Povo Sem Medo.

Um dos líderes do movimento Somos Democracia, Danilo Pássaro criticou o artigo de Mourão. “Ao contrário do que diz o vice, são os apoiadores do governo que expõem seus revólveres e armas.”

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JOÉDSON ALVES / EFE Crise. Bolsonaro fala com apoiadores na porta do Alvorada; presidente criticou grupos que se autointitu­lam antifascis­tas

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