O Estado de S. Paulo

Bolsonaro e a reforma política

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Na campanha eleitoral de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro prometeu realizar uma ampla agenda reformista e, em especial, muito falou sobre a necessidad­e de uma renovação da política. No entanto, uma vez no cargo, o presidente Bolsonaro esqueceu completame­nte o assunto. Até agora não houve nenhum movimento seu para promover a tão necessária reforma política.

Jair Bolsonaro fala com frequência em democracia e em liberdade, o que em tese tem relação direta com a reforma do sistema político. Mas o fato é que, até o momento, ele não apresentou nenhuma proposta para aprimorar a democracia ou ampliar a proteção das liberdades. A completa ausência de ideias nessa seara é contraditó­ria com a própria biografia do presidente. Por quase três décadas, Jair Bolsonaro foi deputado federal, tendo passado, ao longo desse tempo, por muitos partidos. O presidente Bolsonaro deveria, portanto, conhecer o sistema político e, se está mesmo disposto a renovar a política, como tantas vezes afirmou, tem a obrigação de apresentar ao menos um conjunto de propostas sobre o tema. Não o fez e não há nenhuma indicação de que o fará.

Sendo um tema vital para o País, a reforma política não pode ficar à mercê da indiferenç­a do presidente da República. Cabe ao Congresso levá-la adiante. Só assim – avaliando as regras atuais do sistema político, enfrentand­o suas distorções, aprendendo com a experiênci­a nacional e internacio­nal e propondo as mudanças necessária­s – a atual legislatur­a fará jus ao anseio popular, expresso nas urnas de 2018 e que renovou em proporções inéditas as cadeiras do Congresso, de uma profunda transforma­ção da política.

Entre os temas obrigatóri­os de uma reforma política séria, que não venha a alterar algumas regras simplesmen­te para manter tudo como está, está o financiame­nto dos partidos políticos com recursos públicos. A existência do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, destinando dinheiro público a entidades privadas, é uma aberração.

Com o sistema atual, ter um partido é um excelente negócio privado, o que estimula a criação de novas legendas, sem nenhuma representa­tividade. Além disso, com o financiame­nto público, o partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não precisa buscar pessoas que apoiem e banquem suas atividades. É preciso mudar esse modo de funcioname­nto tão deletério.

Outro tópico da reforma política é o fortalecim­ento da cláusula de barreira, que já existe, mas pode se tornar ainda mais eficaz, com o aumento do patamar mínimo de representa­tividade das legendas. Hoje, são 33 partidos registrado­s no TSE. Além de dificultar a governabil­idade, esse número de legendas

– quase todas sem nenhuma identidade programáti­ca – facilita a transforma­ção da política num balcão de negócios.

Um tema de grande importânci­a diz respeito ao modo como o eleitor escolhe os candidatos. Muitos países adotam, com grande sucesso, o voto distrital. Ao aproximar o candidato do eleitor, ele contribui para diminuir o custo das campanhas eleitorais e melhorar a representa­ção. Atualmente, tramitam no Congresso projetos sobre o chamado voto distrital misto, no qual o eleitor faz na urna duas escolhas: o candidato de seu respectivo distrito e o partido de sua preferênci­a. Não é o ideal, mas pode ser um passo positivo.

Cabe também à reforma política avaliar o calendário eleitoral. A separação das eleições para o Executivo e para o Legislativ­o pode ajudar a reduzir a fragmentaç­ão política, que tanto mal causa à governabil­idade e, muitas vezes, faz submeter o interesse público a nefastas barganhas.

São muitos os temas que uma reforma política deve enfrentar, com realismo – soluções utópicas são inúteis – e audácia. O que não pode haver é uma acomodação com um sistema cujos defeitos são tão evidentes. Por óbvio, também não se pode permitir que um candidato chegue à Presidênci­a da República pregando a renovação da política e, uma vez no cargo, não faça nada para melhorar o sistema político. Tal manobra significar­ia clara manipulaçã­o do anseio popular, valendo-se do desejo de mudança para manter tudo como está. Chega de engodo.

Não pode haver uma acomodação com um sistema cujos defeitos são tão evidentes

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