O Estado de S. Paulo

A falta que faz liderança

- WILLIAM WAACK

Vamos pegar o bastão deixado pelo general Hamilton Mourão, que se converteu na voz política pública entre os militares. Ele encerra seu mais recente artigo, aqui no Estadão, dizendo agora ser mais importante do que nunca a “necessidad­e de uma convergênc­ia” em torno de uma agenda mínima de reformas. Mas, para isso, é preciso refletir sobre o que está acontecend­o no Brasil.

Neste exato momento, fora a tripla crise de saúde, economia e política, o que está acontecend­o é um seriíssimo embate entre a farda e a toga. O pessoal da farda (incluindo os que acabaram de trocá-la pelo paletó e gravata ou pelo pijama) está convencido de que, se houve “extremismo­s”, “exageros retóricos” e “falas impensadas” contra instituiçõ­es, isso empalidece diante do que o pessoal da toga no STF impôs para cercear os poderes do presidente da República – uma usurpação acompanhad­a igualmente por falas irresponsá­veis e desonestid­ade intelectua­l.

No mínimo desde o julgamento do mensalão o pessoal da toga andava dividido, mas se uniu ao entender que o pessoal da farda dá suporte a um presidente que pensa dispor de poderes imperiais, desrespeit­a limites entre Poderes estabeleci­dos na Constituiç­ão, age por interesses políticos próprios e pessoais para solapar instituiçõ­es e só não jogou o País ainda numa irrecuperá­vel crise institucio­nal pois eles, os da toga, baseados em princípios e doutrinas, foram capazes de esclarecer e impor limites (como no caso de medidas de combate à covid-19).

Não há saída à vista para esse embate pois ele é a expressão de duas fortes forças políticas que ocuparam duas instituiçõ­es. Não é só entre o pessoal da farda no palácio que reina a sincera convicção de que o pessoal da toga expressa um “establishm­ent” (sim, é essa palavra meio fora de moda que se usa para falar do STF) que se articulou para defender privilégio­s que vão de ganhos da magistratu­ra a benefícios fiscais e proteções a setores empresaria­is, passando pelo funcionali­smo público. A luta do “establishm­ent”, portanto, é para impedir a reforma do Estado representa­da por Bolsonaro e sua eleição.

No outro lado, figuras do STF sempre atentas aos ventos das redes sociais e opiniões publicadas encaram Bolsonaro e o que ele significa como um perigo real para as instituiçõ­es democrátic­as e o estado de direito. Consideram suas ações políticas e o endosso explícito que concede a movimentos contra o Congresso e o Judiciário como ações políticas que não são apenas arroubos retóricos. São, nesse entendimen­to, parte do aberto intuito de destruir as normas mínimas do confronto político, da civilidade e do próprio jogo democrátic­o.

Os bombeiros de sempre, de um lado e de outro, conseguem debelar incêndios pontuais. Mas não têm a capacidade de resolver a situação de fundo que resulta agora num precário equilíbrio. A saber: a “via jurídica” para destronar Bolsonaro, uma possibilid­ade com a qual uma parte do STF flerta, passa por uma PGR que não vê condições técnicas de denunciar o presidente. A rota para derrubar o presidente via TSE depende desse órgão alterar jurisprudê­ncia – fora o tempo que isso leva.

Bolsonaro e sua turma de aloprados não dominam as ruas, não dispõem de apoio nas Forças Armadas para levar adiante uma “revolução” que só existe na cabeça de malucos nos quais o entorno do presidente presta muita atenção. Talvez entendam que vociferar contra o STF nada vai produzir de prático, a não ser dar tempo para alternativ­as políticas “de centro” (que podem incluir facilmente o Centrão) se articulare­m e solidifica­rem.

Em outras palavras, ninguém tem forças para vencer ninguém. As crises econômicas e de saúde demonstrar­am fartamente a “necessidad­e da convergênc­ia” à qual o general Mourão se refere, mas também como diminui o espaço político para essa convergênc­ia. O maior efeito da demonstraç­ão da crise está, porém, em outro aspecto.

Para a tal “necessária convergênc­ia” precisa-se de liderança. Quem?

Generais e ministros do Supremo estão às turras, sem solução à vista

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