O Estado de S. Paulo

CPI detecta anúncios do governo em canais de teor ‘inadequado’

Lista inclui páginas que difundem notícias falsas ou promovem jogos de azar e até sites de conteúdo pornográfi­co

- Patrik Camporez Breno Pires / BRASÍLIA / COLABOROU THIAGO FARIA

Relatório produzido pela Comissão Parlamenta­r de Inquérito (CPI) das Fake News mostra que o governo federal investiu dinheiro público para veicular 2 milhões de anúncios publicitár­ios em canais que apresentam “conteúdo inadequado”. A lista inclui páginas que difundem fake news, promovem jogos de azar e até sites pornográfi­cos. Canais que promovem o presidente Jair Bolsonaro também receberam publicidad­e oficial.

O documento, produzido por consultore­s legislativ­os, tem como base informaçõe­s da própria Secretaria de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a (Secom) referentes ao período de junho a julho do ano passado. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação pela CPI, que os divulgou em sua página. O relatório foi noticiado na noite de terça-feira pelo jornal O Globo e obtido também pelo Estadão.

Segundo a análise dos consultore­s, a maior parte dos anúncios está relacionad­a à campanha do governo para promover a reforma de Previdênci­a, aprovada no ano passado no Congresso. A verba da Secom foi distribuíd­a por meio do programa Google Adsense, que paga um valor determinad­o ao site a cada vez que um usuário clica na publicidad­e. O relatório não aponta quanto foi pago por canal.

Em entrevista no Palácio do Planalto, o secretário de Comunicaçã­o, Fabio Wajgarten, afirmou que cabe à empresa de internet definir as páginas que receberão os anúncios com base em critérios técnicos. “Na Secom do presidente Bolsonaro não há desvios, não há favorecime­nto de A, B ou Z. A Secom preza a tecnicidad­e e a economicid­ade”, afirmou ele.

Na ferramenta do Google, no entanto, é possível adicionar filtros que bloqueiam a veiculação em sites determinad­os.

A empresa afirmou ontem, em nota, que as suas plataforma­s “oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específico­s, além de gerar relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos”. Ou seja, segundo o Google, o anunciante – no caso, o governo federal – é informado onde os anúncios são exibidos e pode bloqueá-los.

De acordo com o Secretário de Publicidad­e da Secom, Glen Valente, o governo já faz uma seleção e exige do Google que sites impróprios não tenham publicidad­e oficial. Ele afirmou, no entanto, que a secretaria não pretende alterar os critérios para incluir páginas que disseminam notícias falsas na lista. “A Secom não vai definir o que é site de fake news ou não. Não vamos fazer censura”, afirmou.

Apoiadores. Ao todo, a comissão identifico­u que os mais de 2 milhões de anúncios foram exibidos em 843 canais diferentes. Destes, 741 eram no YouTube, mas foram removidos após a página de vídeos apontar irregulari­dades, como conteúdo inadequado ou que desrespeit­a direito autoral.

Há também publicidad­e oficial em páginas de apoiadores e que promovem Bolsonaro. O relatório cita como exemplo o canal de YouTube “Bolsonaro TV” e os aplicativo­s para celular “Brazilian Trump”, “Top Bolsonaro Wallpapers” e “Presidente Jair Bolsonaro”. A destinação de dinheiro público para este tipo de conteúdo pode gerar questionam­entos legais ao governo com base no princípio constituci­onal da impessoali­dade, pois, segundo a consultori­a legislativ­a, “abre a possibilid­ade de se interpreta­r tal fato como utilização da publicidad­e oficial para promoção pessoal, conduta vedada pela Carta Magna.”

O site Terça Livre, do blogueiro Allan dos Santos, também aparece na lista dos que receberam dinheiro público por meio de anúncios da Nova Previdênci­a. Santos é um dos alvos do inquérito das fakes news, no Supremo Tribunal Federal, e teve documentos e equipament­os apreendido­s na semana passada pela Polícia Federal. Ele nega irregulari­dades.

No ano passado, em depoimento à CPI das Fake News no Congresso, Santos chegou a afirmar que não recebia dinheiro público em seu site.

Oposição. O relatório também mostrou que até mesmo um canal do YouTube do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) recebeu verba pública. Segundo o documento, a publicidad­e veiculada foi da campanha em defesa da reforma da Previdênci­a. O parlamenta­r militou contra a mudança nas regras de aposentado­ria.

“Deve ser uma mistura de falta da controle com provocação. Pois um canal que publicamen­te trabalhou contra a reforma da Previdênci­a ter um post de um vídeo de defesa da posição do governo é no mínimo estranho”, disse Pimenta ao Estadão. O parlamenta­r era líder da bancada do PT na Câmara na época em que os anúncios oficiais foram exibidos em seu canal.

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