O Estado de S. Paulo

‘Não pode um lugar liberar o futebol e o outro, não’

Técnico vê injustiça e diz que equipes que já voltaram a treinar terão vantagem em relação aos outros times do Brasil

- Ciro Campos

Longe da área técnica e do gramado, o técnico do Palmeiras, Vanderlei Luxemburgo, mantém contato com os jogadores só por videoconfe­rência. E foi graças à essa tecnologia que o treinador concedeu entrevista ao Estadão ontem para comentar sobre o período de quarentena em São Paulo e a expectativ­a de retorno dos jogos no Brasil.

Para o treinador, o futebol só deveria voltar a ser praticado com autorizaçã­o dos órgãos de saúde. Além disso, Luxemburgo acredita que a volta à pratica tinha de ser unificada em todo o País, para evitar vantagens para os clubes que já retomaram os treinament­os no campo. Ele entra na polêmica que toma conta dos EUA e se espalha pelo mundo sobre racismo e diz que no futebol, sua área, há muitas provocaçõe­s e que elas deveriam ser deixadas de lado.

• Como tem sido trabalhar a distância? Já se acostumou? Temos de nos adaptar às coisas, é uma realidade. O treinament­o virtual tem sido bom. Demos um programa para eles treinarem durante essa paralisaçã­o, para todos se manterem em atividade. Os jogadores treinam forte, três vezes por semana. Só que está se tornando cansativo. Estão cansados de ficar em casa treinando em uma sala, na varanda. Agora, tem de começar a mudar.

• Teme que os seus jogadores tenham perdas técnicas?

Eles estão treinando forte. Liberamos para contratare­m personal trainer, mas orientados pelo nosso pessoal da preparação física. O futebol não pode estar fora da pandemia. A pandemia faz parte de uma totalidade. Então, não pode um Estado liberar o futebol e o outro, não. Temos competiçõe­s que exigem diversas situações diferentes e a condição física é primordial. Tem de tratar a pandemia de uma maneira geral para todos, mas aqui no Brasil cada Estado toma sua decisão de acordo com seus interesses. Tem clubes treinando já há bastante tempo e nós estamos respeitand­o os órgãos de saúde. Acho que foi equivocada a liberação para alguns clubes do País treinarem e outros não. Acho que isso não é legal.

• Você acha que o futebol pode voltar mais por pressão política do que por questões de saúde? Não quero entrar na parte política. O futebol tem de voltar dentro daquilo que for feito para a sociedade. Liberou para a sociedade, libera o futebol. Não pode ser diferente. Não deixamos de ser cidadãos por sermos profission­ais de futebol. Não podemos ser tratados de outra forma. O erro é este.

• O Palmeiras sempre se posicionou contrário ao retorno. Como se formou esse consenso? Coerência. O Palmeiras sempre foi contestado, mas apresentou um equilíbrio com todos os seus setores para entender o momento. O presidente (Mauricio Galiotte) sempre falou que o Palmeiras vai voltar quando os órgãos de saúde autorizare­m. Nós estamos preparados, mas só vamos voltar quando liberarem.

• Sente que quem já começou a treinar estará em vantagem? Você treinar em uma varanda de dez metros e em um campo é muito diferente. Acho que vai fazer uma diferença, sim.

• Os jogos no Brasil vão ser com portões fechados. Acha que isso tira a força dos mandantes?

A torcida é importante. Digo sempre que é o centroavan­te da equipe. Quando vou jogar contra um adversário que é muito forte com seus torcedores, eu aviso meus jogadores: “Vamos ter de ganhar da torcida e deles”. Vamos ter de fazer um trabalho para colocarmos o torcedor do Palmeiras em campo com a gente de alguma maneira. Estou pensando nisso, mas ainda não posso falar.

• Os jogadores do Palmeiras aceitaram a redução salarial. Negociar esse tipo de tema é muito diferente hoje em dia?

O perfil desse grupo é muito bom. Tenho 68 anos e 54 de futebol. Quando você fala que vai ajudar os funcionári­os, acabou. Os caras vão lá e colaboram. Todos os meses compram cesta básica. Os jogadores estão muito comprometi­dos com o Palmeiras. Eles querem conquistar alguma coisa.

• Vários atletas se manifestar­am contra o racismo dias atrás. Você acha importante atletas e entidades se posicionar­em?

Essa questão aflorou muito nos Estados Unidos. É uma discussão bem doida para se chegar ao consenso. O que houve lá (o norte-americano George Floyd foi morto pelo policial Derek Chauvin durante uma abordagem) foi brutal, foi uma covardia. Eu discuto muito no futebol, que é a minha área. Acho que os atos de racismo no futebol são provocados e eu achava que deveriam ser deixados de lado. Dão muito prestígio, muito moral à maneira como se trata o racismo no futebol. Aquilo, sim, que o cara fez (nos Estados Unidos) é racismo puro. Mas no futebol o cara brincar com o outro, gozar o outro para desestabil­izar o camarada, e dizer que aquilo ali é ato de racismo, não sei. Mas é uma discussão longa.

• Há 20 anos você dirigia a seleção brasileira. Gostaria de voltar e ter outra chance?

Minha preocupaçã­o é hoje com o Palmeiras, fazer o Palmeiras vitorioso e ganhar. Sou um profission­al preparado para o que acontecer no futebol. O meu foco agora é o Palmeiras.

Vanderlei Luxemburgo

TÉCNICO DO PALMEIRAS ‘No futebol, o cara brincar com o outro para desestabil­izar é racismo? Não sei. É uma longa discussão’

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AMANDA PEROBELLI/REUTERS-10/3/2020 Luxemburgo. Treinador prepara Palmeiras para retomar as atividades após parada

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