O Estado de S. Paulo

Resistir e unir é preciso, mas sem criar pretextos e ambiente favorável a golpistas.

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Aida às ruas de torcidas organizada­s e de grupos pela democracia no Rio, São Paulo e Curitiba serviu como aperitivo. E não foi aprovada. A intenção é boa, o temor com a audácia dos atos golpistas existe e resistir à escalada contra as instituiçõ­es é preciso. Mas há que se considerar a questão da oportunida­de e da forma: quem, como, quando, onde e por que, tal como no jornalismo.

Há que se investigar a possibilid­ade de infiltrado­s, de “black blocs”, no movimento pela democracia para promover vandalismo­s e confrontos com as polícias. Se você dá um espirro hoje, tem sempre uma câmera ou um celular por perto, mas não há um só registro do momento em que o ato pacífico descambou na Avenida Paulista. Com pedrada de manifestan­te? Ou com bombas de efeito moral da polícia? A única imagem de infiltraçã­o é daquela bolsonaris­ta com um taco de beisebol (beisebol?!)...

Assim, a união de corintiano­s e palmeirens­es pela democracia, que merece aplausos, produziu comparaçõe­s incômodas com atos bolsonaris­tas. De um lado, as torcidas com gente parruda e agressiva, vestida de preto e em ritmo de guerra. Do outro, famílias até com crianças usando os símbolos e cores nacionais (da maioria...), como se estivessem passeando.

Imagem é tudo e, nesse confronto, inverteram-se objetivos e percepções. Afinal, os parrudos de preto defendem a democracia, os princípios, as boas causas, enquanto as aparenteme­nte inocentes famílias usam a bandeira nacional contra a democracia, o Supremo e o Congresso.

No dia seguinte aos choques dos novos manifestan­tes com as polícias dos governador­es João Doria e Wilson Witzel,

de oposição, o presidente Jair Bolsonaro, que confratern­iza alegrement­e e até a cavalo com golpistas em plena pandemia, chamou de “marginais” e “terrorista­s” os que passaram a dividir as ruas com seus apoiadores. Já o vice Hamilton Mourão acusou a novidade paulista de “baderna” e indagou em artigo no Estadão: “Aonde querem chegar? A incendiar as ruas do País, como em 2013?”

Quem defende a democracia é “terrorista” e faz “baderna”. Quem prega golpe contra a democracia é e faz o quê? E, enquanto Bolsonaro e Mourão condenavam os manifestan­tes pró-democracia, setores bolsonaris­tas faziam uma leitura enviesada do artigo 142 da Constituiç­ão para defender o uso das Forças Armadas contra os Poderes. São movimentos isolados?

Líderes da saudável resistênci­a de instituiçõ­es, partidos, entidades e cidadãos pró-democracia vêm-se declarando contra atos de rua fora por causa da pandemia. Se os bolsonaris­tas fazem aglomeraçã­o, problema deles, os pródemocra­cia são também pró-ciência, isolamento social, vida. Mas esse não é o argumento principal.

O pedido para não disputar as ruas agora tem base mais complexa: a desigualda­de, literalmen­te, de armas. De um lado, juristas, artistas, intelectua­is e cidadãos se armam com as palavras e manifestos. De outro, Bolsonaro amplia a munição disponível para a sociedade, enquanto reduz a fiscalizaç­ão das armas de civis e milícias; atiça o bolsonaris­mo contra governador­es, enquanto adula as polícias estaduais – ou seja, deles.

Convém, assim, avaliar o risco de atos contra Bolsonaro provocarem confrontos desiguais com milícias e polícias e até justificat­iva para convocação das Forças Armadas. Vira e mexe, militares e o entorno do presidente se referem a um cenário de caos social que não interessa a ninguém, a não ser a golpistas.

Líderes responsáve­is e do bem têm de desprezar o egocentris­mo do ex-presidente Lula e mobilizar o centro, unir as esquerdas, buscar alianças com a direita democrátic­a e resistir. Mas sem criar pretextos e ambiente favorável para golpes defendidos à luz do dia, com estímulo e empurrão de... vocês sabem de quem.

Resistir e unir é preciso, mas sem criar pretextos e ambiente favorável a golpistas

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