O Estado de S. Paulo

A pandemia sufoca mais a parcela da população mais pobre – e isso afeta todos.

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Apandemia produz uma sensação de sufoco e de fato sufoca. Mas sufoca incomparav­elmente mais a parcela da população mais pobre. E isso desencadei­a graves consequênc­ias para todos, também para os ricos e para as classes médias.

Essa pode ser uma das razões por que nas principais cidades dos Estados Unidos e em outras metrópoles do mundo tanta gente venha se manifestan­do em protesto contra a violência cometida por um policial do Estado de Minneapoli­s que tirou a vida de mais um negro, George Floyd. Também, como ele disse pouco antes de morrer (“não consigo respirar”), ficou muito mais difícil e mais inseguro buscar oxigênio para o sustento da família.

A renda vai desabando em todos os países. A expectativ­a dos analistas é de que, neste segundo trimestre, o PIB da primeira economia do mundo, os Estados Unidos, caia cerca de 30% em termos anuais. Também por lá, o desemprego pode saltar para acima dos 25% da força de trabalho, o recorde negativo obtido ao longo da Grande Depressão.

Os mais atingidos nos Estados Unidos, relata-nos o economista Mohamed A. El-Erian na revista Foreign Affairs de 2 de junho, são os trabalhado­res informais e as mulheres, principalm­ente as integrante­s das minorias étnicas (negras e hispânicas).

O cenário parece ainda mais desolador no Brasil, onde o tombo do PIB, o desemprego estrutural e a desorganiz­ação da economia são muito maiores. As ocupações informais, os bicos e as virações são ainda mais atingidos, porque a economia está paralisada, os negócios não saem, o consumo vai sendo adiado e, nessa paisagem, não há para onde ir, de modo a garantir certo sustento. A distribuiç­ão do auxílio social pelo governo, de R$ 600, ainda segura alguma coisa, mas ninguém sabe até quando e a que custo para as já prostradas contas públicas.

Até mesmo as defesas corporativ­as contra os efeitos do isolamento social prejudicam ainda mais os mais pobres. A redução de salário com proporcion­al redução da jornada de trabalho e garantia de estabilida­de beneficia apenas os que já estavam empregados. O trabalho em casa (home office) é um recurso que não pode ser aproveitad­o por mais de um terço dos trabalhado­res, conforme estudo feito por pesquisado­res da Universida­de de Chicago. E beneficia os bem remunerado­s profission­ais liberais e funcionári­os de maior renda do setor financeiro.

Os cenários pós-pandemia sugerem que também na recuperaçã­o os prejuízos para os mais pobres serão maiores. A economia será reerguida com maior digitaliza­ção do comércio e dos serviços bancários, com aumento da ocupação diretament­e de casa e com maior emprego da robotizaçã­o pela indústria. São soluções altamente poupadoras de mão de obra. Tendem, portanto, a reduzir as oportunida­des de trabalho dignamente remunerado.

A história mostra que, em situações assim, o agravament­o das condições sociais tende a vazar para a política. Se não houver resposta convincent­e da sociedade, pode colocar em perigo as instituiçõ­es democrátic­as. Por praticamen­te todo o mundo ocidental, as classes médias já vinham demonstran­do indignação e impression­ante prontidão para atender a apelos de populistas e demagogos.

As manifestaç­ões que agora se realizam pelo mundo mostram que o sufoco geral pode vir a se tornar criadouro de autoritari­smos, protecioni­smos de toda ordem e xenofobia.

E há o fator bumerangue, que recai sobre as empresas. Menos emprego, menos renda e menos salário são, também, menos mercado e menos faturament­o. Portanto, têm impacto sobre a sobrevivên­cia de segmentos do setor produtivo. Para obterem gás para sobrevivên­cia ao longo dessa temporada de quebra de caixa, muitas empresas se endividara­m. E, todos sabemos, endividame­nto excessivo sabota o investimen­to e o futuro.

Desde já, os dirigentes mais responsáve­is parecem preocupado­s com a obtenção de soluções. O problema é que nada se consegue sem mais injeção de recursos, numa situação em que os cofres públicos estão mais do que espremidos.

E não se podem menospreza­r dois efeitos colaterais em geral adversos: maior intervençã­o do Estado na economia e na política e aumento compulsivo da carga tributária. Uma saída é mais do que urgente. Como observa o professor El-Erian, nessa matéria, a acumulação de problemas sem solução tende a se autoalimen­tar e a tornar uma reversão cada vez mais difícil e mais politicame­nte custosa.

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JUSTIN LANE/EFE Sufoco. Mundo em manifestaç­ões
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