O Estado de S. Paulo

Homenagem da polícia no funeral

Líderes influentes do alto comando militar, entre eles James Mattis, ex-chefe do Pentágono, condenam uso político das tropas e as ameaças do presidente americano de enviar soldados para reprimir as manifestaç­ões contra o racismo e a violência policial

- WASHINGTON

Chefe da polícia de Minneapoli­s, Medaria Arradondo (dir.) se ajoelha na passagem do carro funerário com o corpo de George Floyd; ex-generais dos EUA acusam Donald Trump de politizar Forças Armadas.

A resposta agressiva de Donald Trump aos protestos contra a violência policial causaram um efeito raro nos EUA: uma revolta de ex-generais contra o presidente, acusado de politizar as Forças Armadas ao ameaçar enviar tropas para esmagar as manifestaç­ões. Nesta semana, pelo menos quatro importante­s líderes militares romperam o silêncio e criticaram Trump.

A dissidênci­a mais surpreende­nte foi a do general James Mattis, que foi chefe do Pentágono até 2018. “Donald Trump é o primeiro presidente da minha geração que não tenta unir o povo americano – nem finge tentar. Em vez disso, ele tenta nos dividir”, disse Mattis, em carta publicada pela revista The Atlantic. “Estamos testemunha­ndo as consequênc­ias de três anos sem uma liderança madura.”

Mattis é um dos militares mais respeitado­s dos EUA. Chamado de “Cachorro Louco”, ele foi chefe do Comando Central das Forças Armadas e secretário de Defesa de Trump. Em dezembro de 2018, pediu demissão por não concordar com a decisão de retirar as tropas americanas da Síria. Mesmo assim, saiu dizendo que jamais criticaria o comandante. O limite, segundo ele, foi a “militariza­ção” da repressão aos protestos.

“A militariza­ção da resposta às manifestaç­ões cria um falso conflito entre as Forças Armadas e a sociedade civil”, disse o ex-general, em referência aos eventos de segunda-feira, vistos pelo comando militar como um gesto autoritári­o de Trump. A opinião foi compartilh­ada por vários analistas. “Ao criar a sensação de que as Forças Armadas

são um ator político partidário, Trump ataca a natureza do pacto civil-militar dos EUA”, disse Kori Schake, pesquisado­ra do centro de estudos American Enterprise Institute. “As Forças Armadas são profission­ais”, disse Steven Levitsky, cientista político da Universida­de Harvard. “O prestígio dá aos militares a capacidade de reagir, como estamos vendo agora.”

O estopim foi a decisão de reprimir um protestos pacífico, na segunda-feira, na Praça Lafayette, em frente à Casa Branca. O objetivo era limpar o local para que Trump pudesse caminhar até a Igreja de St. Johns, do outro lado da praça, para tirar uma foto com uma Bíblia na mão.

Desde sexta-feira, o presidente estava furioso com os relatos de que ele havia sido levado para um bunker da Casa Branca, por razões de segurança, por causa dos protestos na Praça Lafayette. Segundo assessores, Trump precisava de uma demonstraç­ão de força.

Ao lado dele, na caminhada até a igreja, estavam Mark Esper, chefe do Pentágono, e Mark Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, que usava roupa de combate. Ambos foram acusados de violar o juramento do cargo – e pelo menos dois altos funcionári­os do Pentágono pediram demissão.

O desconfort­o também foi causado pela linguagem usada por Esper, que havia se referido às cidades tomadas por protestos como “espaços de batalha”, sugerindo que os militares assumissem a repressão. De fato, na mesma segunda-feira, Esper remanejou cerca de 1,6 mil homens das bases de Fort Bragg e Fort Drum para os arredores da capital, deixando os veteranos militares em estado de choque.

Na quarta-feira, Esper foi obrigado a dizer que não concordava com Trump e era contra o uso de tropas na repressão, o que irritou o presidente e colocou o Pentágono em rota de colisão com a Casa Branca.

Além de Mattis, o ex-general John Allen, que comandou as tropas americanas no Afeganistã­o, e o ex-almirante Mike Mullen, que já ocupou a chefia do Estado-Maior Conjunto, criticaram o presidente. “Como se não bastasse os manifestan­tes pacíficos terem sido privados de seus direitos constituci­onais (de protestar), a foto de Trump legitimou esse abuso com uma camada religiosa”, escreveu Allen na revista Foreign Affairs.

“Até agora, estava reticente em falar sobre questões que envolvem a liderança do presidente Trump, mas estamos em um ponto de inflexão e os eventos das últimas semanas tornaram impossível permanecer em silêncio”, disse Mullen. “Nossos cidadãos não são nossos inimigos, e nunca serão.”

Ontem, Trump chamou Mattis de “o general mais supervalor­izado do mundo”. “A única coisa que Barack Obama e eu temos em comum é que ambos tivemos a honra de demitir Mattis”, tuitou o presidente – o que atraiu críticas de mais um ex-general. John Kelly, que foi seu chefe de gabinete, desmentiu o presidente. “Mattis não foi demitido. Trump claramente se esqueceu do que ocorreu ou está confuso”, disse.

“Testemunha­mos as consequênc­ias de três anos sem uma liderança madura James Mattis, ex-secretário de Defesa dos EUA

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KEREM YUCEL / AFP
 ?? KEVIN LAMARQUE /REUTERS ?? Irritação. Manifestan­te grita com policial perto da Casa Branca; generais ficaram revoltados com decisão de reprimir um protesto pacífico na segunda-feira
KEVIN LAMARQUE /REUTERS Irritação. Manifestan­te grita com policial perto da Casa Branca; generais ficaram revoltados com decisão de reprimir um protesto pacífico na segunda-feira
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RICHARD DREW/AP-3/6/2020

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