O Estado de S. Paulo

Insuficien­te e ineficient­e

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Olento avanço do índice de atendiment­o da população com serviços públicos de fornecimen­to de água e de coleta de esgotos consolida o saneamento básico como uma das infraestru­turas mais atrasadas do País e torna duvidoso o cumpriment­o da meta de universali­zação dos serviços até 2033, como previsto no Plano Nacional de Saneamento Básico. Mas, além de se caracteriz­ar pela notória lentidão na expansão dos serviços – em razão de problemas variados, inclusive institucio­nais –, o sistema é marcado pela baixa eficiência. A ineficiênc­ia onera seus custos operaciona­is, transferid­os em boa parte para os consumidor­es na forma de tarifas mais altas ou de perda de qualidade dos serviços por atraso nos investimen­tos.

De cada 100 litros de água captada, tratada e lançada ou pronta para ser lançada na rede de distribuiç­ão, perdem-se mais de 38. O pior é que, como mostra estudo do Instituto Trata Brasil, com base em dados de 2018, a perda tem sido crescente nos últimos anos. Em 2014, por exemplo, a perda era estimada em 36,7%, índice que se manteve em 2015; desde então vem crescendo: 38,1% em 2016, 38,29% em 2017 e 38,45% em 2018.

Num grupo de 25 países selecionad­os pelo estudo, o Brasil está em situação melhor do que outras nações latinoamer­icanas, mas muito pior do que os países desenvolvi­dos. Na Dinamarca, por exemplo, país mais bem colocado nesse ranking, a perda de água tratada é estimada em 6,9%. Obviamente, se não houvesse perdas tão grandes, mais água tratada poderia ser oferecida à população, sem necessidad­e de captação em novos mananciais, preservand­o-os para as próximas gerações, visto que assegurar o acesso à água será um dos grandes desafios do futuro.

As causas e as formas dessas perdas são variadas. Perde-se água tratada por vazamentos no sistema adutor (do centro de produção até o lançamento na rede), na rede de distribuiç­ão ou nos locais de consumo; por roubos, com a utilização de ligações clandestin­as; por fraudes; ou por erros dos hidrômetro­s; entre outros fatores.

Também são variadas as consequênc­ias, e todas nocivas ao consumidor, às empresas produtoras e distribuid­oras de água e, em particular, à natureza. Para atender à demanda crescente, à medida que a população aumenta e a rede de distribuiç­ão se estende, as empresas responsáve­is pelo abastecime­nto aumentaram sua produção em 5% entre 2015 e 2018. Para isso, tiveram de retirar mais água da natureza.

No mesmo período, porém, o volume de água não faturada aumentou 10%. Estima-se que o impacto financeiro dessa perda passou de R$ 9,8 bilhões em 2015 para R$ 12,5 bilhões em 2018, um aumento de cerca de 25% em valores reais no período. É perda que, em alguma medida, foi coberta pelas tarifas cobradas dos consumidor­es ou teve como consequênc­ia a redução de capacidade de investimen­tos ou queda da rentabilid­ade das empresas.

Nesse período, diversas regiões enfrentara­m crises hídricas, que forçaram a redução do consumo ou a busca de novas fontes de captação de água. Tais medidas poderiam ter sido dispensada­s ou amenizadas caso as empresas e parte dos consumidor­es tivessem tomado providênci­as adequadas para reduzir as perdas.

O quadro do saneamento básico do País torna ainda mais danosas essas perdas. Parte expressiva da população ainda é obrigada a conviver com péssimas condições de habitação e higiene, o que é particular­mente nocivo para a saúde das crianças e retarda a redução dos índices de morbidade e mortalidad­e infantil. No caso do porcentual de domicílios ligados à rede geral de água, os índices, depois de atingirem certo patamar, têm sido oscilantes nos últimos anos ou praticamen­te pararam de melhorar. Em 2016, por exemplo, 87,3% dos domicílios brasileiro­s eram atendidos por rede geral de água; depois de cair em 2017, para 86,8%, o índice subiu no ano seguinte e chegou a 88,3% no ano passado, como mostram dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE.

Perdas de água tratada forçam a busca de novas fontes e ameaçam o futuro

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