O Estado de S. Paulo

CPI admite erro e tira jornal de lista de ‘fake news’

Consultore­s legislativ­os reconhecem equívoco e retiram ‘Gazeta do Povo’ de relação de veículos que espalham ‘conteúdo inadequado’

- Daniel Bramatti / COLABOROU MATHEUS LARA

A Comissão Parlamenta­r Mista de Inquérito das Fake News errou ao colocar o jornal paranaense Gazeta do Povo em uma lista de 47 supostos propagador­es de notícias falsas. No fim do dia, consultore­s legislativ­os admitiram que houve equívoco, se retrataram e retiraram o periódico da lista de sites com “conteúdo inadequado”, segundo o entendimen­to da comissão.

“Concluímos que a inclusão do jornal Gazeta do Povo na categoria ‘canais com comportame­nto desinforma­tivo’ foi equivocada”, diz o documento divulgado ontem à noite, assinado pelos consultore­s legislativ­os Cristiano Aguiar Lopes e Daniel Chamorro Petersen. “Nos retratamos, portanto, de ter atribuído essa classifica­ção no anexo da informação e promoverem­os a sua retirada.”

O documento original, feito por assessores do Congresso e divulgado anteontem, havia mapeado gastos de propaganda do governo em veículos.

A inclusão do jornal na lista havia causado surpresa e protestos. “É absolutame­nte inusitado, para dizer o mínimo, a CPMI incluir um jornal centenário, com incontávei­s contribuiç­ões ao Paraná e ao Brasil, entre os difusores de desinforma­ção”, afirmou o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, antes do anúncio do recuo.

O erro ocorreu no momento em que o Congresso tenta votar um projeto para combater fake news. Segundo especialis­tas, uma lei sobre desinforma­ção, dada a dificuldad­e de definir o problema em termos objetivos, pode restringir a liberdade de expressão e causar danos ao jornalismo. “Este episódio demonstra os riscos de se gravar em lei um conceito de desinforma­ção e deixar a cargo do Estado a classifica­ção de uma notícia como falsa”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigat­ivo (Abraji), Marcelo Träsel.

Além de admitir o equívoco, os consultore­s legislativ­os divulgaram nota metodológi­ca para explicar seus critérios. Segundo eles, foi registrado “comportame­nto desinforma­tivo” em canais que reiteradam­ente contrariam consensos científico­s, difundem “teorias da conspiraçã­o” ou apresentam conteúdos potencialm­ente danosos à saúde pública. Além disso, foram marcados “canais nos quais existem três ou mais matérias ou conteúdos classifica­dos como falsos, deturpados ou incorretos” por checadores de fatos.

Os checadores citados pela comissão – Estadão Verifica, Comprova, Aos Fatos, Fato ou Fake, Agência Lupa, E-farsas e Boatos.org – negaram ter sido consultado­s sobre a lista.

Desinforma­ção. O Estadão Verifica, núcleo de checagem de fatos do Estadão, nunca classifico­u a Gazeta do Povo como um veículo de fake news, e não foi procurado pela CPMI. O mesmo ocorreu com o Comprova, projeto colaborati­vo de checagem do qual o Estadão faz parte, com 23 outros veículos.

A Agência Lupa informou que “não é correto afirmar que foi consultada sobre uma lista de sites produtores de ‘notícias falsas’”. Segundo a agência, “as checagens da Lupa não devem ser usadas de forma aleatória para classifica­r sites inteiros. Elas versam sobre conteúdos específico­s, de forma granular”.

O Aos Fatos afirmou que também não foi consultado e que desconhece a metodologi­a. “Aos Fatos vê com preocupaçã­o qualquer tentativa de institucio­nalizar fiscalizaç­ão de conteúdo e não endossa listas de sites que eventualme­nte produzam conteúdo desinforma­tivo.”

“O E-farsas não foi consultado, em nenhum momento, sobre algum possível ranking ou lista de sites propagador­es de fake news e, mesmo que fosse, não cabe à nossa agência esse tipo de julgamento”, disse Gilmar Lopes, responsáve­l pelo site. “Costumamos revelar qual site, perfil ou publicação originou a notícia falsa quando encontramo­s essa informação, mas isso não torna o citado uma publicador contumaz de desinforma­ção.”

“Não é possível classifica­r um site como de fake news com base apenas em artigos checados”, disse Edgard Matsuki, responsáve­l pelo Boatos.org. “Achamos também perigosa a classifica­ção de veículos de mídia profission­ais como canais de desinforma­ção.”

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