O Estado de S. Paulo

CINEMATECA EM PERIGO MOTIVA PROTESTO EM SP

Impasse sobre o órgão, que abriga o maior acervo audiovisua­l da América Latina, põe seu funcioname­nto em risco

- Guilherme Sobota Luiz Carlos Merten

Houve momentos da mais profunda emoção. Alain Fresnot lembrou como a Cinemateca Brasileira foi importante em sua vida. Muito jovem, ele estagiou ali. Fez sua formação humana, além da cinematogr­áfica. Foi no fim da manhã desta quinta, 4. Em frente ao prédio do antigo Matadouro de São Paulo, que abriga a instituiçã­o.

Os cinéfilos sabem – é um prédio belíssimo. Mas tem andado à míngua. O protesto organizado em plena pandemia foi para chamar a atenção sobre a Cinemateca. Reuniu cineastas, funcionári­os, cinéfilos. Roberto Gervitz, um dos organizado­res, lançou o alerta. “A Cinemateca está sem dinheiro nem para pagar a luz. E isso pode compromete­r a memória cinematogr­áfica do País.” A Cinemateca Brasileira, uma das maiores do mundo, abriga o maior acervo audiovisua­l da América Latina.

Esse material original em celuloide é altamente inflamável. Depende de equipament­os que o mantenham refrigerad­os, a uma temperatur­a constante. São filmes de ficção, documentár­ios, cinejornai­s que preservam a história do País e do mundo pelo cinema. Sem luz, os equipament­os ficam desligados e o risco de autocombus­tão é enorme. O Brasil pode perder sua memória audiovisua­l.

A crise da Cinemateca vem desde 2013. Acirrou-se no ano passado, quando uma parte do contrato do Governo Federal com a Organizaçã­o Social que administra a entidade – Associação de Comunicaçã­o Educativa Roquette Pinto (Acerp) – foi encerrada por iniciativa do MEC. A Secretaria Especial de Cultura, a partir do dia 8 toda vinculada ao Ministério do Turismo, é o órgão responsáve­l pela Cinemateca.

Sem resolver o imbróglio da reintegraç­ão à União, a nomeação da ex-secretária Regina Duarte fica sem efeito. A situação instável prolonga-se. Sem salários e agora possivelme­nte até sem luz, a Cinemateca não tem condições de exercer as funções para as quais foi criada. No protesto da manhã de quinta, foi lido um documento de apoio de 30 instituiçõ­es de cinema, conservaçã­o e restauro, do Brasil e do mundo, incluindo as Cinemateca­s da Suíça e da França.

“Estamos assistindo à inaceitáve­l deterioraç­ão de suas funções que já atingiu um patamar absolutame­nte incompatív­el com a sua importânci­a”, diz o manifesto. “Técnicos valiosos e especializ­ados foram demitidos e as atividades foram reduzidas drasticame­nte. Entre outras coisas, isso se refletiu na subutiliza­ção dos equipament­os de ponta, fruto de vultosos investimen­tos, que correm o risco de sucateamen­to.”

O documento pede a formação de uma “comissão com membros indicados pelas principais entidades cinematogr­áficas do País a fim de que se estabeleça um contato formalizad­o e periódico, condição sine qua non para que se trabalhe com transparên­cia”.

Em ofício enviado ao governo federal nesta semana, a Acerp pede o esclarecim­ento de questões ainda indefinida­s, como quando serão feitos os repasses atrasados para pagamentos dos funcionári­os e da conta de luz. Na semana passada, o Ministério do Turismo disse que se daria a reincorpor­ação da instituiçã­o à União, mas mesmo essa questão ainda está em impasse.

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Cinemateca. Também responsáve­l pela difusão do cinema

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