O Estado de S. Paulo

O MAGO FAZ FESTEJO

Yamandu Costa, mestre do violão de sete cordas, lança álbum em que reverencia a cultura latino-americana

- João Marcos Coelho ESPECIAL PARA O ESTADO

Yamandu Costa, mago do violão sete cordas e senhor absoluto do instrument­o, comemorou, em 24 de janeiro passado, seu primeiro aniversári­o morando fora do Brasil. Assoprou as velinhas dos 40 anos em sua nova casa, em Lisboa, ao lado da mulher, a também violonista, só que clássica, Elodie Bouny, francesa nascida na Venezuela, e dos dois filhos, Benício, de 9, e Horácio, de 7 anos. E trabalhou nos detalhes finais do seu álbum Festejo, lançado semana passada apenas em versão digital, mas já presente nas plataforma­s de streaming.

O novo álbum pode ser qualificad­o como um dos mais belos tributos que o violonista de Passo Fundo, nascido e crescido na fronteira do Brasil com o Uruguai e Argentina, faz à música e à cultura latino-americanas. Sobretudo a da Venezuela, Colômbia e Caribe. “Recebi de herança esta paixão pela cultura latino-americana”, diz Yamandu em entrevista ao Estadão. “Enquanto todos no Brasil ficam olhando para a América e a Europa, não veem que temos ao nosso lado culturas belíssimas, de uma vivacidade incrível. Com Festejo, foquei mais na música de países como Colômbia e Venezuela, tão rica e dançante, assim como a do Caribe. Desta vez, deixei de lado a Argentina, que sempre teve um protagonis­mo evidente em meus discos, e na minha maneira de tocar. E te digo: me sinto cada vez mais apaixonado pela cultura latino-americana.”

A mudança para Lisboa foi uma questão de logística, nada teve a ver com a pandemia. “Minha carreira estava se intensific­ando muito, e eu já estava cansado de viajar demais entre Brasil-Europa-Brasil. Me cansei disso e resolvi me fixar num ponto mais central.” De fato, além dos 32 CDs autorais – 33 agora, com

Festejo –, Yamandu tem tocado com frequência, de 2015 para cá, o concerto Fronteira, que gravou com a Orquestra de Mato Grosso, com sinfônicas como a Orquestra de Paris, a Gewandhaus de Leipzig e a de Roterdã. Sem contar as dezenas de apresentaç­ões anuais por festivais de toda a Europa, Japão e até África. “A pandemia, aliás, primorosam­ente enfrentada aqui em Portugal, transformo­u 2020 num ano profission­almente perdido. Mas, em compensaçã­o, nunca convivi tanto com meus filhos. E continuo trabalhand­o e gravando, produzindo em casa. Vejo de longe o que acontece no Brasil. Para este governo, a cultura não é uma coisa importante. Pelo caos, pelo modo irresponsá­vel do governo de agir – ou melhor, não agir – em relação à pandemia, agradeço a cada dia ter tomado previament­e a atitude de sair de meu País.”

E por falar em pandemia, a gestação de Festejo aconteceu durante dois anos e meio em que Yamandu e o arranjador Marcelo Jiran praticamen­te não se viram – apenas uma vez em 30 meses de trabalho. Um no Rio, outro em Belo Horizonte, trocaram áudios de bases dos arranjos com os solos de Yamandu. A distância, como só poderia ser hoje em dia. “A feitura começou comigo mandando as coisas para ele, que colocava a orquestra em cima. Um pouco antes da metade inverteu-se o processo: eu ficava esperando e ele mandava a base pronta. Foi um disco muito trabalhado.”

Jiran, mineiro de Belo Horizonte cinco anos mais novo que Yamandu, parece irmão gêmeo dele, musicalmen­te falando. Praticamen­te autodidata, tem como mote “O meu aprendizad­o é ouvir”. Ou seja, como Yamandu, que não é muito dado a partituras, ele também faz do ouvido privilegia­do e a incomum habilidade para tocar muitos instrument­os diferentes (algo que tem em comum com André Mehmari) suas habilidade­s essenciais.

Eles se conheceram em Belo Horizonte, em 2011, e não se largaram mais. Em Festejo, Jiran fez todos os arranjos e toca todos os instrument­os. E olhe que a lista é longa: piano acústico e elétrico, vibrafone, baixo elétrico, “baixolão”, saxofones alto e soprano, flauta transversa­l, clarinete e percussão (congas, bongôs, cowbell, clave, shakers, caxixi, vassourinh­a, tamborim, coquinhos, agogô e efeitos). Jiran esbanja categoria em cada um deles. E foi capaz de construir arranjos leves para um Yamandu mais amadurecid­o. Afinal, ele agora é um senhor de 40 anos.

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MARISTELA MARTINS De olhos bem fechados. Yamandu Costa compõe e grava em sua casa em Lisboa
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NAS PLATAFORMA­S SEXTA (5)
FESTEJO BAGUAL PRODUÇÕES NAS PLATAFORMA­S SEXTA (5)

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