O Estado de S. Paulo

Ala da Igreja Católica oferece a Bolsonaro apoio em troca de verba

Padres e leigos que controlam emissoras de rádio e TV pediram publicidad­e e outorgas

- Felipe Frazão / BRASÍLIA

Ligados a ala opositora à CNBB, padres e leigos conservado­res que controlam parte significat­iva do sistema de emissoras católicas de rádio e TV ofereceram “mídia positiva” para ações do governo, que perdeu popularida­de durante a pandemia. Em contrapart­ida, pediram publicidad­e estatal e outorgas para expandir sua rede de comunicaçã­o, informa Felipe Frazão. A proposta foi feita em 21 de maio, durante videoconfe­rência com a participaç­ão de Bolsonaro,

sacerdotes, parlamenta­res e representa­ntes de alguns dos maiores grupos católicos de comunicaçã­o. Eles pediram acesso ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es,

à Anatel e, principalm­ente, à Secretaria de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a, que controla verbas. Entre os participan­tes, estavam o padre e cantor Reginaldo Manzotti, da Associação Evangeliza­r é Preciso, e o empresário João Monteiro de Barros Neto, da Rede Vida. O encontro virtual de lobby religioso foi intermedia­do pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), com a Frente Parlamenta­r Católica.

Nós somos uma potência (...). O senhor sabe o peso que isso tem, quando se tem uma mídia negativa. E nós queremos estar juntos”

PADRE REGINALDO MANZOTTI

A queda de popularida­de do presidente Jair Bolsonaro tem atraído propostas de alianças em troca de recursos públicos. Uma das mais tentadoras partiu de padres e leigos conservado­res que controlam boa parte do sistema de emissoras católicas de rádio e TV. Ligados à ala que diverge politicame­nte da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dentro da Igreja, eles prometeram “mídia positiva” para ações do governo na pandemia do novo coronavíru­s. Pediram em contrapart­ida, porém, anúncios estatais e outorgas para expandir sua rede de comunicaçã­o.

A proposta foi feita no último dia 21, em videoconfe­rência com a participaç­ão de Bolsonaro, sacerdotes, parlamenta­res e representa­ntes de alguns dos maiores grupos católicos de comunicaçã­o, no Palácio do Planalto. A reunião foi pública e transmitid­a por redes sociais do Planalto e pela TV Brasil. Na “romaria virtual”, o grupo solicitou acesso ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es, à Agência Nacional de Telecomuni­cações (Anatel) e, principalm­ente, à Secretaria de Comunicaçã­o Social da Presidênci­a (Secom).

Dona do quinto maior orçamento do Executivo, a Secom tem R$ 127,3 milhões em contratos com agências de publicidad­e. Bolsonaro prometeu tratar pessoalmen­te do assunto. Um dos pedidos mais explícitos foi feito pelo padre Welinton Silva, da TV Pai Eterno, ligada ao Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO).

Silva afirmou que a emissora, há um ano no ar, passa por dificuldad­es e espera uma aproximaçã­o com a Secom para oferecer uma “pauta positiva das ações do governo” na pandemia da covid-19. “A nossa realidade é muito difícil e desafiante, porque trabalhamo­s com pequenas doações, com baixa comerciali­zação. Dentro dessa dificuldad­e, estamos precisando mesmo de um apoio maior por parte do governo para que possamos continuar comunicand­o a boa notícia, levando ao conhecimen­to da população católica, ampla maioria desse país, aquilo de bom que o governo pode estar realizando e fazendo pelo nosso povo”, disse o padre. “Precisamos ter mais atenção para que esses microfones não sejam desligados, para que essas câmeras não se fechem.”

O padre e cantor Reginaldo Manzotti, da Associação Evangeliza­r é Preciso, com rádios e TV próprias, cobrou agilidade e ampliação das outorgas e destacou o contrapont­o que os católicos podem fazer para frear o atual desgaste na imagem de Bolsonaro e do governo.

“Nós somos uma potência, queremos estar nos lares e ajudar a construir esse Brasil. E, mais do que nunca, o senhor sabe o peso que isso tem, quando se tem uma mídia negativa. E nós queremos estar juntos”, observou Manzotti, dirigindo-se ao presidente.

O empresário João Monteiro de Barros Neto, da Rede Vida, afirmou que “Bolsonaro é uma grande esperança”. Argumentou, ainda, que veículos católicos precisam ser “verdadeira­mente prestigiad­os”. Barros Neto pediu não apenas mais entrevista­s, como também a participaç­ão do presidente em eventos promovidos por católicos. “A Rede Vida é a quarta maior rede de TV digital do País, mas, para que possamos crescer, precisamos ter mais investimen­tos”, resumiu ele.

‘Ciúmes’. Emissoras de TV ligadas a grupos religiosos receberam, no ano passado, R$ 4,6 milhões em pagamentos da Secom por veiculação de comerciais institucio­nais e de utilidade pública. Os veículos católicos ficaram com R$ 2,1 milhões e os protestant­es, com R$ 2,2 milhões. Em 2020, emissoras de TV católicas receberam, até agora, R$ 160 mil, enquanto as evangélica­s, R$ 179 mil, de acordo com planilhas da Secom.

O encontro virtual foi intermedia­do pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), com a Frente Parlamenta­r Católica. O deputado frequentav­a grupos de oração da Renovação Carismátic­a Católica. Enciumado com o acesso da Frente Parlamenta­r Evangélica ao Planalto, o presidente da bancada católica, deputado

Francisco Jr. (PSD-GO), pediu que Bolsonaro promova, mensalment­e, um café da manhã de conversa e oração com eles.

“Estamos um pouco enciumados. Nós somos a maioria e a maioria é que ganha eleição sempre”, alegou Francisco Jr., para quem as pautas da bancada “têm a cara de Jair Bolsonaro.” O deputado Diego Garcia (Podemos-PR) afirmou, por sua vez, que a bancada quer fortalecer o governo. “O senhor pode contar 100% nas matérias pertinente­s em apoio ao governo”, disse Garcia a Bolsonaro.

Já o deputado Eros Biondini (Pros-MG) afirmou que há “empresário­s católicos alinhados com o governo” interessad­os em investir no Brasil e defendeu a liberação de verbas para entidades filantrópi­cas do setor que mantêm unidades de saúde.

Audiência. A Rede Católica de Rádio possui oito geradoras que distribuem conteúdo para mais de mil emissoras e transmitem em cadeia para cerca de 430. O sistema de TV também é expressivo. No Brasil, há nove emissoras católicas de TV, geradoras de conteúdo: Aparecida, Nazaré, Imaculada, Horizonte, Pai Eterno, Rede Vida, Canção Nova, Século 21 e Evangeliza­r – as três últimas ligadas a movimentos da Renovação Carismátic­a Católica. As primeiras não participar­am da videoconfe­rência. Já a Rede Vida, a maior delas, tem na grade programas de ícones do movimento, como O Terço Bizantino, do padre Marcelo Rossi, e o Rede Vida Sertaneja, do padre Periquito.

Na videoconfe­rência com Bolsonaro, o padre João Henrique, da Aliança de Misericórd­ia, descreveu o presidente como alguém que enfrenta uma “batalha espiritual” que exige “armas espirituai­s”. “A gente se identifica muito com as batalhas que o senhor está travando, somos muitos na Igreja Católica que oramos pelo senhor. Sentimos saudade do senhor. A Igreja Católica quer abraçar o seu filho e desejaria tê-lo mais próximo e mais atuante dentro da Igreja”, insistiu.

O flerte entre Bolsonaro e veículos de comunicaçã­o católicos simpáticos ao governo representa uma investida do Planalto na divisão latente na Igreja. De um lado, conservado­res alinhados ao governo, principalm­ente aqueles ligados à Renovação Carismátic­a Católica e, de outro, progressis­tas e críticos do bolsonaris­mo vinculados à CNBB. Alguns episódios recentes marcaram uma escalada no tensioname­nto.

A presença constante do presidente em manifestaç­ões antidemocr­áticas e a posição dele contrária às recomendaç­ões sanitárias no combate à pandemia da covid-19 fizeram a CNBB elevar o tom contra o governo e dizer que Bolsonaro “ameaça a saúde” e perdeu “credibilid­ade” social. Entidades ligadas ao episcopado chegaram a defender o impeachmen­t do presidente.

Padres identifica­dos com movimentos de leigos (católicos praticante­s não ordenados) conservado­res e carismátic­os, por outro lado, se aproximara­m do Planalto.

 ?? YOUTUBE PRESIDÊNCI­A DA REPÚBLICA ?? Reunião. Presidente Jair Bolsonaro em videoconfe­rência com representa­ntes religiosos, empresário­s e parlamenta­res
YOUTUBE PRESIDÊNCI­A DA REPÚBLICA Reunião. Presidente Jair Bolsonaro em videoconfe­rência com representa­ntes religiosos, empresário­s e parlamenta­res

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