O Estado de S. Paulo

Abin antecipou falta de covas

Documentos obtidos pelo ‘Estadão’ mostram que Planalto foi informado da falta de espaço para realizar enterros

- Mateus Vargas / BRASÍLIA

Entre 27 de abril e 13 de maio, a Abin informou o governo que faltaria espaço para sepultamen­tos.

A Agência Brasileira de Inteligênc­ia (Abin) alertou o Palácio do Planalto e ministros sobre situações de caos em cemitérios do País e a falta de espaços para sepultamen­tos, causados pelo aumento de óbitos pela covid19. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro tem acusado gestores de fazer “terrorismo” ao buscar novos espaços para enterros e xingou o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), por ter aberto covas coletivas.

Em informes sobre a pandemia que somam cerca de 950 páginas, com datas de 27 de abril a 13 de maio, obtidos pelo Estadão com exclusivid­ade, a Abin mostra o desespero de famílias que não encontram parentes mortos em enterros precários em Manaus.

“Famílias relatam desapareci­mento temporário dos corpos de familiares que morreram na rede pública de saúde. No cemitério público Nossa Senhora Aparecida, a prefeitura informou que os corpos serão enterrados em valas comuns, empilhados três a três”, apontou a agência em documento de 29 de abril. No mesmo informe, a Abin afirma que cresce em Manaus a opção de cremar corpos “por não haver mais espaço suficiente nos cemitérios públicos” para vítimas da doença.

Ainda segundo a agência, caixões na capital do Amazonas foram abertos por pessoas que buscavam parentes. “A ação ocorre após trocas e desapareci­mento de cadáveres.”

Apesar de alertas de autoridade­s de saúde e da Abin, Bolsonaro reclama da mobilizaçã­o de gestores de Estados e municípios para dar conta de enterrar mortos pela covid. No início de abril, chamou de “terrorismo” a abertura de covas no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo.

Em reunião ministeria­l de 22 de abril, Bolsonaro xingou o prefeito de Manaus por abrir covas coletivas. “Aproveitar­am o vírus, está um bosta de um prefeito lá de Manaus, agora, abrindo covas coletivas. Um bosta.” O presidente disse que Virgílio estava “aproveitan­do” a pandemia para levar um “clima desse, para levar o terror ao Brasil”.

Dias após a reunião com ministros, em 4 de maio, a Abin informou sobre chegada de reforço de 300 urnas funerárias a Manaus, cidade já com a capacidade de enterros esgotada.

Os informes da Abin abastecem o Centro de Coordenaçã­o de Operação do Comitê de Crise para Supervisão e Monitorame­nto dos Impactos da Covid19 (CCOP). Coordenado pela Casa Civil, o órgão foi criado em março, quando Bolsonaro atuava para retirar o protagonis­mo do Ministério da Saúde na crise.

A Abin faz, desde março, diagnóstic­o da situação da pandemia no País e um mapeamento no exterior. Como revelou o Estadão no domingo, adota, nos documentos endereçado­s ao Planalto e a ministério­s, discurso oposto ao do presidente sobre o tema. Procurados, a Presidênci­a da República e o Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI) não se manifestar­am.

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