O Estado de S. Paulo

País tem mais de mil mortes em 24h e pode sair da OMS

- WASHINGTON

O Brasil voltou a registrar mais de mil mortes pela covid (foram 1.005 em 24h, elevando o total a 35.026). Pelo terceiro dia consecutiv­o, os dados foram divulgados por volta das 22 horas. Questionad­o, Jair Bolsonaro afirmou que “acabou matéria no Jornal Nacional”, ameaçou tirar o País da OMS e chamou de “irmão” a Donald Trump, que criticara a ação do Brasil.

“Se tivéssemos feito isso (o que fez o Brasil), teríamos perdido um milhão, talvez até 2 milhões ou mais de vidas”

Donald Trump

PRESIDENTE DOS EUA

Presidente brasileiro chama de ‘irmão’ o aliado americano, que mais cedo havia considerad­o o Brasil um mau exemplo na luta contra a covid-19 e dito que, se os EUA tivessem seguido o exemplo brasileiro, poderiam ter tido até 2 milhões de mortos a mais na pandemia

O presidente Jair Bolsonaro evitou ontem confrontar as declaraçõe­s de Donald Trump, que citou o Brasil como mau exemplo na luta contra a covid-19. Diante do Palácio da Alvorada, o brasileiro exaltou a amizade com o americano e sugeriu que também pode retirar o País da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), repetindo o que fez Trump com os EUA, em maio.

“Ou a OMS deixa de ser uma organizaçã­o política ou nós estudamos sair de lá”, afirmou Bolsonaro, que evitou criticar as declaraçõe­s do presidente americano. “Trump é meu amigo, é meu irmão. Falei com ele esta semana, foi uma conversa maravilhos­a. Um abraço Trump. O Brasil quer cada vez mais aprofundar nosso relacionam­ento”, disse Bolsonaro.

Mais cedo, Trump fez um discurso nos jardins da Casa Branca e comparou Brasil e Suécia, que não impuseram quarentena­s rígidas. “Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por grandes dificuldad­es. Eles vivem citando o exemplo da Suécia, que está passando por um momento terrível. Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido um milhão, talvez até 2 milhões ou mais de vidas”, disse o presidente americano.

A Suécia, com 10 milhões de habitantes, registrou 4,6 mil mortes de covid-19, oito vezes mais que a Dinamarca e quase 20 vezes mais que a Noruega – ambos vizinhos têm metade da população sueca e adotaram isolamento rígido. Nesta semana, o governo sueco admitiu que deveria ter adotado medidas mais duras de afastament­o social para conter a pandemia.

No Brasil, o distanciam­ento foi determinad­o por Estados e municípios, não pelo governo federal. Apesar de ser considerad­o um aliado de Bolsonaro, Trump vem adotando um discurso crítico em relação ao País.

No final de abril, o americano já havia alertado sobre o avanço da pandemia no Brasil. Em maio, ele suspendeu os voos do País, citando a gravidade do caso brasileiro.

A entrevista coletiva de ontem foi convocada para Trump poder se vangloriar dos 2,5 milhões de empregos criados em maio – o desempenho econômico é considerad­o crucial para sua reeleição em novembro. Mas o presidente abandonou o teleprompt­er e disparou insultos de improviso. A declaração mais questionad­a foi quando ele se referiu a George Floyd, negro morto por policiais brancos em Minneapoli­s, na semana passada – o que deu origem à onda de protestos que completou ontem 11 dias.

“Espero que George esteja olhando para baixo agora e dizendo que isto que está acontecend­o é algo grandioso para nosso país. É um grande dia para ele. É um grande dia para todos”, disse o presidente, aparenteme­nte se referindo ao aumento no número de empregos.

Em seguida, a repórter Yamiche Alcindor, da PBS, que é negra, questionou se o presidente não faria algum pronunciam­ento para tratar do racismo nos EUA. Trump levantou a cabeça e colocou o dedo indicador no nariz, fazendo o gesto de silêncio. Depois, disse que o melhor remédio contra o racismo é a recuperaçã­o econômica.

As últimas semanas foram desastrosa­s para o presidente. Apesar de criticar a situação do Brasil, os EUA ainda são o país mais afetado do mundo pela covid19, com quase 2 milhões de casos e 110 mil mortos. As medidas de isolamento afetaram a economia e o número de desemprega­dos passou de 40 milhões em abril.

Além das crises econômica e de saúde pública, a morte de

Floyd causou uma tensão social, com protestos contra a violência policial e o racismo. Em vez de colocar panos quentes, Trump optou por uma resposta dura e ameaçou enviar tropas para reprimir as manifestaç­ões nos Estados. Em Washington, ele militarizo­u a repressão e foi criticado por importante­s ex-generais e militares do alto comando das Forças Armadas.

Por isso, os números de ontem, que indicaram uma recuperaçã­o do emprego em maio, contribuír­am para o tom otimista do discurso do presidente. “Tínhamos a maior economia da história do mundo. E essa força nos permitiu vencer esta horrível pandemia, que já foi praticamen­te superada. Estamos indo muito bem”, disse. “Tomamos todas as decisões corretas.”

Trump falou por cerca de uma hora. Assim que terminou, começaram as críticas – principalm­ente à referência feita a Floyd. O democrata Joe Biden, seu adversário em novembro, classifico­u o discurso de “desprezíve­l”. Brandon Gassaway, porta-voz do Partido Democrata, disse que a mensagem do presidente “era um tapa na cara”.

Alguns republican­os também criticaram Trump, entre eles Michael Steele, que é negro e foi presidente do Comitê Nacional Republican­o. “O discurso não apenas soa mal, mas beira a blasfêmia diante do que aconteceu com Floyd”, disse Steele.

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NICHOLAS KAMM/AFP Campanha. Trump simula uma coleta para teste de covid durante visita a laboratóri­o; presidente diz que pandemia foi praticamen­te superada nos EUA

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