O Estado de S. Paulo

A covid-19 e a educação pública

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Impacto pode ser mais grave do que se imagina.

Oimpacto da pandemia de covid-19 sobre a formação das novas gerações pode ser mais grave do que se imagina, deixando-as desprepara­das para se emancipar intelectua­l e profission­almente num período em que a Revolução Industrial 4.0 exige mão de obra cada vez mais especializ­ada. Essa é a advertênci­a de um importante estudo que acaba de ser divulgado pelo Instituto Unibanco e pelo movimento Todos pela Educação.

“O efeito da pandemia sobre o sistema de ensino será numa intensidad­e que nunca vimos. A experiênci­a da crise financeira de 2008 é só referencia­l, mas não suficiente para se prever o que veremos. Há o risco de ser a ‘geração pandemia de jovens’, um grupo estrutural­mente punido pela falta de ações neste momento e com grande chance de ficar fora do sistema de ensino”, diz o economista Ricardo Henriques, superinten­dente do Instituto Unibanco.

O foco do estudo é basicament­e financeiro. Segundo ele, ao mesmo tempo que o impacto da pandemia na atividade econômica reduziu drasticame­nte a receita tributária dos Estados, que concentram 80% das matrículas do ensino básico no País, os gastos com medidas emergencia­is para a substituiç­ão das aulas presenciai­s por aulas virtuais, por meio de transmissã­o de conteúdo pedagógico pela TV e entrega de material impresso aos pais de alunos, explodiram. Com base num levantamen­to em 22 redes estaduais, o estudo identifico­u que 95% delas adotaram o ensino a distância e 63% ofereceram aulas online e ao vivo.

A estimativa é de que essa combinação explosiva entre queda de receita e aumento de custos provoque um rombo de R$ 30 bilhões no orçamento dos Estados neste ano. Esse valor equivale a cerca do dobro do que a União contribui anualmente por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento da Educação Básica e de Valorizaçã­o dos Profission­ais da Educação (Fundeb), que é a principal fonte de investimen­to desse ciclo educaciona­l. Os cálculos foram feitos com base em dados do Tesouro e informaçõe­s consolidad­as de receitas tributária­s de abril e maio. “E mais gastos devem vir por aí, pois teremos novos alunos entrando na escola pública, de famílias de classe média baixa, que não vão conseguir mais pagar as mensalidad­es”, afirma João Marcelo Borges, diretor de Estratégia Política do Todos pela Educação.

Se a solução para o problema não for formulada ainda neste ano, a conta será empurrada para os próximos exercícios, comprimind­o o orçamento dos governos estaduais e agravando ainda mais os problemas sociais decorrente­s do baixo nível de aprendizad­o dos alunos do ensino básico público. Henriques estima que o período de normalizaç­ão do calendário escolar levará um ano e meio, podendo entrar em 2022. Por isso, se nada for feito agora, as redes estaduais de ensino correm o risco de colapso financeiro. E, sem recursos, elas não conseguirã­o atender às recomendaç­ões dos especialis­tas em saúde pública, dividindo as turmas para aumentar a distância entre os alunos, com o objetivo de evitar contágio, o que exige mais estrutura física e mais professore­s.

Qualquer que seja a solução, ela envolve necessaria­mente o Fundeb. E é aí que está o nó da questão, pois em sua configuraç­ão atual ele expira em dezembro e sua reformulaç­ão tem de ser votada ainda neste ano. Há propostas de emenda constituci­onal em tramitação nas duas Casas Legislativ­as, todas prevendo mais recursos federais para o fundo. A mais adiantada é a que está na Câmara, cujo presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quer votá-la ainda neste mês. Mesmo que tenha êxito, o tempo para encontrar um modo de evitar o colapso financeiro das redes estaduais de ensino ainda neste ano é curto. E, como o presidente Jair Bolsonaro está substituin­do técnicos por indicações políticas dos líderes do Centrão em áreas estratégic­as do Ministério da Educação, nada garante que a normalizaç­ão da rede pública de ensino básico acabe se estendendo pelos próximos anos, compromete­ndo a formação de uma geração escolar, como temem os autores do estudo do Instituto Unibanco e do Todos pela Educação.

Aumento de custos no setor e queda de receita provocarão rombo de R$ 30 bi nos Estados

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