O Estado de S. Paulo

Permissão para avião no Exército gera crítica na FAB

Até então, norma de 1986 permitia que Força operasse apenas helicópter­os; Oficiais da aeronáutic­a criticam momento da medida

- Marcelo Godoy Roberto Godoy

A decisão do presidente Jair Bolsonaro de permitir ao Exército voltar a ter aviões provocou reação de integrante­s da Força Aérea Brasileira (FAB). Brigadeiro­s ouvidos pelo Estadão criticam “a oportunida­de da medida”, um período de crise econômica, em que as verbas para a Defesa são escassas. Também alegam que a medida pode afetar a operação conjunta das duas Forças.

Foi por meio do decreto 10.386, publicado no dia 2, que Bolsonaro e o ministro da defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, concederam ao Exército, após 79 anos, o direito de voltar a ter aeronaves de asa fixa. Até então, decreto de 1986 permitia ao Exército operar apenas helicópter­os. “O problema não é o Exército ter sua aviação, mas o momento da decisão, que não é oportuno”, afirmou o tenentebri­gadeiro-do-ar Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM).

Os custos de manutenção de uma aviação são considerad­os altos. Os brigadeiro­s ouvidos pelo Estadão citam o exemplo da Marinha, que depois de décadas de disputas com a FAB obteve o direito de operar aviões em seu porta-aviões São Paulo. Depois que o navio aeródromo foi aposentado pela Força, a aviação de caça naval, com duas dezenas de A-4 Skyhawk, ficou sediada em terra, na base de São Pedro da Aldeia, no Rio.

Das três Forças, os integrante­s da FAB são os que têm se mostrado mais distantes das polêmicas do governo. Em um ministério repleto de generais e almirantes, nenhum brigadeiro ocupa cargo na Esplanada. Apenas um coronel da Aeronáutic­a – o astronauta Marcos Pontes – é ministro (Ciência e Tecnologia). E vê seu cargo em risco diante das negociaçõe­s de Bolsonaro com partidos do Centrão. Dos presidente­s de clubes militares, só o da Aeronáutic­a, o brigadeiro Marco Carballo Perez, não se manifestou em apoio ao presidente contra recentes ações de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Um coronel da FAB, que pediu anonimato, reclamou dos termos abrangente­s do decreto presidenci­al, que permitiram no futuro o Exército e ter qualquer tipo de aeronave, não só as de transporte de tropa. Ferolla afirmou que não se opor à ideia de o Exército ter aviação de asa fixa. O brigadeiro, hoje na reserva, esteve entre os oficiais responsáve­is por ajudar o Exército a montar sua base de helicópter­os, na sede da Aviação do Exército, em Taubaté (SP). O episódio encerrou então uma disputa de quase vinte anos, desde que o Exército buscara em 1969 pela primeira vez comprar helicópter­os Bell H-1H.

Prazo. Com a decisão de criar a tropa aeromóvel, o Exército foi autorizado em 1986 por decreto a ter helicópter­o – decreto que Bolsonaro alterou. “Hoje, o Exército é o maior operador do País de aeronaves de asas rotativa”, disse o deputado federal, general Roberto Peternelli (PSLSP), que comandou a Aviação do Exército. Segundo ele, a intenção da Força – que contaria com a concordânc­ia dos comandos da Marinha e da Aeronáutic­a – é usar aeronaves em apoio logístico na Amazônia. “Muitas vezes a FAB tem prioridade distintas. E pode ser necessário o Exército fazer evacuação aeromédica.”

Não é a curto prazo que a aviação do Exército vai operar aeronaves de asa fixa, seus próprios cargueiros leves, para cumprir missões na linha de fronteira, da Amazônia principalm­ente. A primeira reunião do grupo técnico que cuida do programa está prevista para a segunda metade de julho. Só depois começará o processo de definições. Segundo um general ouvido pelo Estadão, todas as especifica­ções devem ser revistas. O decreto que permite à Força Terrestre empregar aviões determina também que a Aeronáutic­a e a Marinha cooperem com a reestrutur­ação. Recentemen­te, o tema passou pela Secretaria de Assuntos Estratégic­os da Presidênci­a, quando o general Alberto Santos Cruz era assessor especial da pasta. O plano foi exposto em uma reunião no Comando da Aeronáutic­a. A demanda do Exército era por maior autonomia e pronta resposta nas tarefas que exigem transporte aéreo.

“O problema não é o Exército ter sua aviação, mas o momento da decisão, que não é oportuno.”

Sérgio Xavier Ferolla TENENTE-BRIGADEIRO DO AR E EX-PRESIDENTE DO STM

“A FAB argumentou que bastava que fosse feito um aporte de dinheiro na sua infraestru­tura logística para aumentar a disponibil­idade dos meios”, lembra um brigadeiro, ex-integrante do Alto Comando. Em 2018, foi anunciada a intenção de compra de oito aviões Sherpa Short C23, bimotores modernizad­os. Podem transporta­r 3,5 toneladas de carga ou 30 passageiro­s. Desmobiliz­ados do Exército americano, seriam financiado­s por meio de operação de crédito do governo dos EUA de valor não revelado. O Exército não confirma o cronograma de entregas. O Estadão procurou o Ministério da Defesa, mas a pasta não se manifestou.

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GABRIELA BILO/ESTADÃO–29/1/2020 Permissão. Exército poderá voltar a ter aviões em sua tropa

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