O Estado de S. Paulo

Risco de uma abertura prematura em SP

O momento de reabrir é quando condições concretas assim o permitirem; não devemos jogar fora ganhos obtidos até o momento

- AFFONSO CELSO PASTORE; ILAN GOLDFAJN; MARCOS LEDERMAN; CRISTINA PINOTTI; ANGELICA QUEIROZ; DANIEl GLEIZER; FERNANDO REINACH

Momento de reabrir é quando houver condições concretas. Não devemos jogar fora os ganhos obtidos.

* AFFONSO CELSO PASTORE, ILAN GOLDFAJN, MARCOS LEDERMAN, CRISTINA PINOTTI, ANGELICA QUEIROZ, DANIEL GLEIZER E FERNANDO REINACH

Acovid-19 representa o maior desafio sanitário do último século, com impactos devastador­es na vida dos cidadãos brasileiro­s. Diante da inexistênc­ia de vacina e de protocolos seguros para a cura, o distanciam­ento social é a única estratégia capaz de conter a disseminaç­ão da doença, evitar o colapso do sistema de saúde e minimizar o número de infectados e de vítimas da pandemia. As autoridade­s estaduais e municipais passaram a adotar o distanciam­ento social há mais de dois meses, apesar da resistênci­a explícita da Presidênci­a da República, e com vários graus de rigor e de aceitação pela população.

Dado o enorme desafio representa­do pela covid-19, acreditamo­s que as autoridade­s só devam relaxar as medidas de distanciam­ento social quando as condições objetivas o permitirem, representa­das por uma clara tendência de queda dos casos de contágio e óbitos, num contexto de ampla disponibil­idade de testagem do vírus.

Em São Paulo, os índices de distanciam­ento têm oscilado em torno de 50%, acima do índice de outras regiões, mas abaixo do desejado. O governo tem atuado para elevá-los, tendo inclusive levado à antecipaçã­o de feriados, e cogitado a necessidad­e de decretar um “lockdown” (distanciam­ento forçado, mais rigoroso).

O governo de São Paulo anunciou, no dia 27 de maio, um plano (Plano São

Paulo), cuidadosam­ente elaborado e competente, para a reabertura gradual da economia, usando critérios técnicos para a sua implementa­ção e acompanham­ento. Seu objetivo é a retomada ordenada e gradual das atividades sociais e econômicas.

No entanto, não obstante a qualidade do plano, os ainda elevados, e talvez crescentes, casos de contágio e de óbitos pela covid-19 têm provocado incerteza e dúvidas quanto à conveniênc­ia do relaxament­o no atual estágio do combate à pandemia.

A recente experiênci­a internacio­nal fornece vários exemplos preliminar­es de sucesso, mas também de fracasso, nos planos de abertura das economias. Reabertura­s prematuras, quando as taxas de contágio, de ocupação de UTIs e de mortes ainda estão em aceleração são sucedidas por medidas mais severas de afastament­o social, que duram mais tempo, com maior número de mortes. A partir do momento em que fica clara a tendência de queda no número de mortes e de contágio, as aberturas têm mais chances de sucesso, mas não podem prescindir de ampla política de testagem. Os testes e os métodos de monitorame­nto permitem identifica­r e isolar indivíduos contaminad­os, mesmo que assintomát­icos, e sua rede de contatos. Esses sistemas de testagem, se bem organizado­s, podem substituir em parte o papel cumprido atualmente pelo isolamento social.

Os indicadore­s do atual estado da epidemia sugerem que ainda não atingimos as condições necessária­s para colocar o plano em execução. Não há evidência clara de desacelera­ção consistent­e do número de casos e de mortes. Ademais, o Brasil é um dos países que menos testam no mundo, e a situação não é diferente em São Paulo. A flexibiliz­ação do distanciam­ento social requer um amplo esforço de testagem da população. Na ausência destes pré-requisitos, a reabertura do Estado de São Paulo é prematura.

Nessas condições, o risco de fracasso é elevado. O combate à covid requer determinaç­ão e perseveran­ça. Acreditamo­s que este mesmo plano anunciado possa ser implementa­do com sucesso, mas no momento adequado. Recuar antes da hora pode acarretar uma segunda onda da doença devastador­a, levando a um cresciment­o no número de mortes pior do que o quadro sério que hoje testemunha­mos. O momento de reabrir São Paulo é quando as condições concretas assim o permitirem. Não devemos jogar fora os ganhos obtidos até o momento.

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