O desafio de resgatar a indústria
Brasileiros continuaram comendo, comprando remédios e tentando cuidar da higiene enquanto o coronavírus ocupava o Brasil. Com algum esforço é possível encontrar esses dados positivos no desastroso balanço industrial de abril, primeiro mês inteiramente marcado pela pandemia de covid-19. Em abril a indústria produziu 18,8% menos que em março e 27,2% menos que um ano antes. A queda mensal foi, de longe, a maior da série histórica iniciada em 2020. Com isso se amplia a coleção de recordes sinistros de 2020, como o fechamento de 4,9 milhões de vagas num trimestre e a eliminação de R$ 7,3 bilhões da massa de rendimentos. Os novos dados da crise industrial, recém-divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vieram poucos dias depois de publicada a pesquisa de emprego e desemprego no período fevereiro-abril.
O tombo da produção e o pulo do desemprego são páginas da mesma história. São componentes, também, do mesmo desafio. Resultam igualmente do indispensável distanciamento social e das limitações impostas pelo combate à pandemia. Ações oficiais de apoio a empregadores e empregados apenas atenuaram os danos econômicos da covid-19. Perdas seriam inevitáveis, como foram em outros países, mas, além disso, parte da política falhou. Muitas empresas ficaram sem acesso ao novo crédito e as autoridades agora tentam garantir essa ajuda. Esse é o quadro imediato, mas também é preciso olhar para a frente.
Não há sinal, por enquanto, de um plano geral de retomada e – detalhe relevante – de recuperação das empresas mais atingidas. A reabertura será gradual e ordenada, se os governantes tiverem juízo e quiserem diminuir o risco de uma segunda onda, e a resistência de muitas companhias continuará sendo testada. Além disso, a mera autorização para retorno à atividade será insuficiente, no caso das firmas sem caixa para retomar os negócios. Quem, no governo, está pensando nos desafios dessa próxima etapa?
Especialmente grave, a crise da indústria começou bem antes da pandemia de coronavírus. Sinais de estagnação eram visíveis no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, antes da recessão de 20152016. Houve alguma reação nos anos seguintes, com expansão de 2,5% em 2017 e 1% em 2018, mas a produção diminuiu 1,1% no primeiro ano do atual governo. Os problemas ocasionados pela pandemia atingem, portanto, uma indústria já muito enfraquecida, carente de investimentos, de reformas e de renovação.
Esses dados ajudam a avaliar com realismo a condição do setor. Mesmo uma indústria mais saudável, no entanto, seria duramente afetada pelo novo choque. Todas as grandes categorias – bens de capital, intermediários e de consumo – tiveram desempenho amplamente negativo em abril. Os piores foram os de bens de capital, com produção 41,5% inferior à de março, e de bens de consumo duráveis, com recuo de 79,6%, puxado principalmente pelo setor automobilístico. Resultados positivos foram observados em algumas indústrias de bens essenciais, como as de alimentos e de produtos farmacêuticos. Houve grandes perdas de produção em 22 dos 26 segmentos pesquisados.
No ano, a indústria produziu 8,2% menos que nos primeiros quatro meses de 2019. Os números ficam menos feios quando se consideram períodos mais longos. A contração acumulada em 12 meses ficou em 2,9%, um dado pouco relevante para a avaliação dos problemas atuais.
Nesta altura, as expectativas do mercado para 2020 parecem otimistas. Pela mediana das projeções, a produção industrial neste ano será 3,59% inferior à de 2019, segundo informa a pesquisa Focus divulgada na segunda-feira passada pelo Banco Central. O mês de maio, tudo indica, ainda foi muito ruim. Só com recuperação muito vigorosa, a partir de agora, a indústria fechará o ano com o desempenho indicado naquela pesquisa. A reativação dependerá, em boa parte, da demanda e da oferta de crédito. Precipitar a abertura para animar o consumo e a produção poderá ser desastroso. Raras vezes prudência e planejamento cuidadoso foram tão preciosos.
Desastre da produção realça importância de um bom plano de retomada industrial