O Estado de S. Paulo

Participaç­ão do Brasil na carteira de investidor­es estrangeir­os cai a 0,3%

Peso do País em fundos internacio­nais já foi de 2,5%, mas crise política, juros baixos e debilidade econômica assustam investidor­es; real é a moeda emergente que mais se desvaloriz­ou no ano e B3 só não perdeu mais que bolsas colombiana, espanhola e peruan

- Altamiro Silva Junior Luciana Dyniewicz

O Brasil perdeu peso importante nas carteiras de investidor­es estrangeir­os em meio ao aumento do risco político, à fraca atividade econômica e aos juros historicam­ente baixos. Gestores ouvidos pelo ‘Estadão/Broadcast’ calculam que, nos fundos globais, a participaç­ão do País, que já foi de 2,5%, caiu para 0,3% no fim de maio, a menor desde 2015, ano marcado pela recessão e pela crise política que desencadeo­u o impeachmen­t de Dilma Rousseff. Nas carteiras dedicadas aos mercados emergentes, a fatia baixou para 7%, também o menor nível desde 2015.

Gestores alertam ainda para o risco de, com os juros perto de zero, não só estrangeir­os deixem de aplicar aqui, mas também brasileiro­s comecem a remeter recursos para o exterior.

Nos fundos dedicados a emergentes, o Brasil chegou a ter participaç­ão de 16,5% em 2011, mesmo nível da China. Desde então, Coreia do Sul, Índia e Taiwan passaram a ter maior participaç­ão nessas carteiras que os ativos brasileiro­s, mostram dados da consultori­a americana EPFR. A China tem hoje fatia perto de 30%.

O Brasil teve, neste ano, fuga de capital externo bem acima do nível de outros emergentes, de acordo com o Instituto Internacio­nal de Finanças (IIF), formado pelos 450 maiores bancos do mundo. No primeiro trimestre, a saída de capital foi quase o dobro da verificada na crise de 2008. Dados do Banco Central mostram que US$ 33 bilhões deixaram o País neste ano pelo canal financeiro até 22 de maio. Na B3, foram R$ 76 bilhões.

“O retorno no Brasil ficou muito baixo para um país de risco alto”, diz um gestor em Londres de um fundo dedicado a emergentes. Ele afirma que outros países oferecem juros maiores que o Brasil a um risco menor e cita o México como exemplo. Lá a taxa de juros está em 6% e o risco-país medido pelo Credit Default Swap (CDS), derivativo de crédito que protege contra calotes na dívida soberana, em 140 pontos. No Brasil, o CDS está em 240 pontos e o juro em 3%, além de ser crescente a aposta de corte para 2,25%.

“O mundo virou as costas para o Brasil faz tempo”, afirma o gestor e sócio da Mauá Capital Luiz Fernando Figueiredo, exdiretor do Banco Central. “A imagem do Brasil está péssima no exterior”, completa ele, ressaltand­o que a forma como o País lida com a crise do coronavíru­s, “o enorme barulho político” e os juros baixos contribuem para afastar os investidor­es, sobretudo os de curto prazo, que aplicam no mercado financeiro, na Bolsa ou renda fixa. Os de mais longo prazo, que olham para projetos de infraestru­tura, ainda mantém o país na radar, continuou ele em live realizada recentemen­te pela Febraban. “A percepção do Brasil lá fora hoje é a pior possível.”

Para o economista sênior para América Latina da consultori­a inglesa Pantheon Macroecono­mics, Andres Abadia, a forma “surreal” como o presidente Jair Bolsonaro está lidando com a pandemia, minimizand­o seus efeitos, vai contribuir para estender sua duração, piorando ainda mais a atividade e trazendo mais preocupaçõ­es sobre as contas fiscais locais, que já estavam deteriorad­as.

Moeda e Bolsa. A postura do presidente, aliada à queda dos então ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Nelson Teich (Saúde) e Sérgio Moro (Justiça), além dos rumores de que o ministro Paulo Guedes (Economia) também estava com o cargo ameaçado, contribuiu para deixar o Brasil com a imagem abalada entre investidor­es, que fugiram do País.

No acumulado do ano até 4 de junho, o real foi a moeda emergente que mais se desvaloriz­ou, com recuo de 21%. “O real perdeu muito nesse período mais turbulento, com a saída de ministros e o risco de uma mudança na agenda econômica, quando se falou no plano Pró-Brasil (programa da ala militar do governo para reativar a economia com obras públicas). Nesse momento, o mercado ‘precificou’ o pior dos mundos”, diz o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultori­a.

A B3 também foi uma das Bolsas que mais se desvaloriz­ou(18,9%), ficando atrás apenas da colombiana (-30%), da espanhola (-21%) e da peruana (-19%).

Nas últimas semanas, porém, os ativos brasileiro­s começaram a se recuperar. O economista Álvaro Frasson, do BTG Pactual Digital, destaca que esse movimento se deu mais por causa do alívio no mercado internacio­nal, com o início da reabertura da economia europeia, do que por questões domésticas. As medidas adotadas pelas autoridade­s monetárias dos EUA e da Europa, que inundaram o mercado com dólares e euros, também favorecera­m a recuperaçã­o do real e da B3. “Quando os mercados maduros têm uma expectativ­a de retomada, os investidor­es tomam mais risco”, diz.

Foi esse cenário internacio­nal – e não uma onda de otimismo com a economia do País – que favoreceu o governo brasileiro na captação de US$ 3,5 bilhões em títulos da dívida externa, feita na quarta-feira, em uma operação considerad­a de sucesso. “A captação foi bem sucedida e é explicada pela grande liquidez. Claro, as contas externas estão sob controle, o que ajuda. Mas, superado o período de pânico, o investidor busca maior rentabilid­ade, acaba saindo dos títulos americanos e os papéis brasileiro­s chamaram atenção”, diz Campos Neto.

“O real perdeu muito no período mais turbulento, com a saída de ministros e o risco de uma mudança na agenda econômica, quando se falou no plano Pró-Brasil.”

Silvio Campos Neto

ECONOMISTA DA TENDÊNCIAS

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