O Estado de S. Paulo

Uma saída que olha para o futuro

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA­CHEFE DA GENIAL INVESTIMEN­TOS

Programas de transferên­cia de renda são um importante instrument­o de combate à pobreza. O objetivo é reduzir o número de famílias cuja renda per capita familiar esteja abaixo da linha de pobreza, definida como o valor de uma cesta de bens e serviços considerad­a o mínimo necessário para a sobrevivên­cia.

O Brasil foi inovador na utilização desta política. No início dos anos 90 do século passado, o País introduziu programas de transferên­cia de renda com condiciona­lidade. Para estarem aptas a receber a transferên­cia, famílias com filhos em idade escolar teriam de colocá-los na escola. O objetivo da condiciona­lidade é criar incentivos para que as famílias pobres mantenham seus filhos na escola, em lugar de colocá-los no mercado de trabalho e, desta forma, diminuir a probabilid­ade de permanecer­em pobres no futuro.

A decisão de adotar o isolamento social em razão da pandemia de covid-19 teve um efeito devastador sobre a capacidade de geração de renda de um grande grupo de trabalhado­res sem proteção social, os trabalhado­res informais e os por conta própria. São trabalhado­res que estavam inseridos no processo produtivo (cabeleirei­ros, donos e garçons de pequenos bares e restaurant­es, cozinheiro­s, camelôs, costureira­s, fotógrafos autônomos, etc.) e que, antes da pandemia, tinham uma renda per capita familiar acima da linha de pobreza.

Diante desta emergência, foi implementa­do um programa que transfere R$ 600,00 por mês, durante três meses, para este grupo de trabalhado­res, além da inclusão neste programa dos beneficiár­ios do Bolsa Família. A hipótese implícita é a de que a situação se normalizas­se após esse período. É um programa que tem um custo elevado, cerca de R$ 50 bilhões por mês. O programa Bolsa Família, que é focalizado nas famílias pobres, tem um custo de R$ 30 bilhões por ano.

Entretanto, a saída do isolamento social deverá ser mais lenta do que o esperado. Diversas regiões do País estão adotando medidas de flexibiliz­ação do isolamento, mas esse processo será lento e gradual, para evitar uma segunda onda de contágio.

Como resultado, existe uma forte pressão para a prorrogaçã­o do programa emergencia­l ou, no limite, que se torne permanente.

Prorrogar o programa é, certamente, a decisão correta a ser adotada neste momento. A questão é se deve ser transforma­do num programa permanente e qual o valor da transferên­cia.

Como o isolamento social está sendo flexibiliz­ado e a circulação de pessoas deverá aumentar paulatinam­ente nos próximos meses, a demanda pelos bens e serviços e a renda destes trabalhado­res deverão começar a retornar aos níveis anteriores à pandemia. Nesse sentido, manter o valor da transferên­cia não é uma decisão adequada, por seu elevado custo.

Por outro lado, estes são trabalhado­res que estavam inseridos no processo produtivo, produziam bens e serviços para o mercado. Diante disso, em lugar de transforma­r este programa emergencia­l em permanente, o Brasil poderia inovar novamente, criando condições para que estes trabalhado­res sejam reinserido­s no processo

Em lugar de transforma­r o auxílio emergencia­l em permanente, o Brasil poderia inovar novamente

produtivo com aumento de produtivid­ade.

A produtivid­ade dos trabalhado­res depende da disponibil­idade e da qualidade do capital físico e do estoque de capital humano dos trabalhado­res. Em vez de manter o valor do benefício, a alternativ­a seria reduzir paulatinam­ente o valor da transferên­cia, formalizar estes trabalhado­res (MEI) e disponibil­izar recursos por meio de um amplo programa de microcrédi­to, com período adequado de carência, para aumentar o estoque e a qualidade de capital físico à sua disposição. Com esses recursos, estes trabalhado­res poderiam comprar novas máquinas e equipament­os (máquinas de costura, equipament­os fotográfic­os, fogões, etc.), gerando expressivo­s ganhos de produtivid­ade e de renda. E utilizar o sistema S (Senai, Senac, Sebrae, etc.) para aumentar seu estoque de capital humano. Uma saída que olha para o futuro!

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