O Estado de S. Paulo

Velha política

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS É JORNALISTA

Aqueda relâmpago de Alexandre Borges Cabral, o indicado pelo Centrão para a presidênci­a do Banco do Nordeste (BNB), mostrou falhas e atropelos no ritual de checagem dos nomes apresentad­os pelas lideranças dos novos aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. O “sistema de informação” do presidente não funcionou bem.

Não foi uma boa estreia para a “nova-velha” política de coalizão que Bolsonaro busca com o casamento com as lideranças do Centrão que, aliás, já deu resultados em votações importante­s para o governo nas últimas semanas.

Cabral caiu menos de 24 horas após sua posse, no rastro da revelação pelo Estadão de que era alvo de uma apuração conduzida pelo Tribunal

de Contas da União (TCU) sobre suspeitas de irregulari­dades em contrataçõ­es feitas pela Casa da Moeda durante sua gestão à frente da estatal, em 2018. O prejuízo é estimado em R$ 2,2 bilhões.

A indicação acabou não passando pelas checagens que costumam ser feitas pela Secretaria de Governo do Palácio do Planalto, que podem vetar a indicação. Com isso, não houve o alerta interno das investigaç­ões em curso contra Cabral no TCU, o que gerou a decisão de sua exoneração.

A queda foi rápida; porém, nada tem a ver com algum tipo de resistênci­a do ministro da Economia, Paulo Guedes, em ceder cargos do seu vasto ministério, com cinco bancos públicos e outras tantas estatais.

A porteira foi aberta com a presidênci­a do BNB e vai continuar com novas indicações. O loteamento do Centrão avançará em cargos nas estatais e ministério­s. Serão muitas indicações nas próximas semanas, já falam abertament­e integrante­s da área econômica.

É o preço a pagar não só para impedir o impeachmen­t e garantir a governabil­idade do presidente Bolsonaro. Trata-se de uma questão de sobrevivên­cia de Guedes no cargo. O seu futuro e da sua equipe estão umbilicalm­ente atrelados ao apoio do Centrão, que por ora se mostra totalmente alinhado com a ala militar desenvolvi­mentista do governo.

Pontes de diálogo foram lançadas pelo ministro. A travessia passa pela oferta de cargos e mudanças de políticas. Detalhe: não se ouviu nenhuma reclamação pública de algum líder do Centrão sobre a saída do novo presidente do BNB. Também ninguém se apresentou como padrinho do presidente demitido. Silêncio total.

Com o País quebrado pelo estrago da covid-19, Guedes precisa de votações rápidas para “salvar” a sua política e agilizar a retomada da economia. Com o Centrão em oposição, perde a parada. O ministro já teve um aperitivo ruim na frustrada tentativa de aprovar os seus projetos depois da votação da reforma da Previdênci­a. Nada andou e a retomada da economia entrou cambaleant­e em 2020 até ser ferida de morte pelo novo coronavíru­s.

O ministro tem pouco tempo para mostrar os resultados da sua política após a economia entrar numa fase de maior normalidad­e pós-covid. Os números crescentes de contaminaç­ão e mortes mostram que vai demorar mais. Seria impossível aprovar as medidas com uma base de apoio de vinte e poucos parlamenta­res e um punhado de simpatizan­tes.

A aprovação da reforma da Previdênci­a foi suada, com uma negociação no varejão que custou caro. Para avançar nas novas pautas, o ministro terá de fazer concessões. Elas já começaram e podem passar, inclusive, pela flexibiliz­ação da regra do teto de gastos. É proibido se surpreende­r com a capacidade política de mudar as narrativas. O retorno da velha para a nova política é a prova desse pragmatism­o.

A porteira das suas estatais é só a face mais visível do que está sendo negociado, como também foi o fim do voto de qualidade no Conselho Administra­tivo de Recursos Fiscais (Carf), que tanto prejuízo trará no futuro para a fiscalizaç­ão da Receita e arrecadaçã­o do governo.

Como Guedes comanda um superminis­tério e detém muitos poderes, tem muito a oferecer. O mercado financeiro já viu que a área econômica pode ganhar mais com a nova aliança. A resposta tem sido uma melhora consistent­e dos indicadore­s. Não só pelo otimismo vindo de fora do País. Os investidor­es estão se antecipand­o aos efeitos positivos que essa aliança com o Centrão pode garantir nas votações. Sem medo do Centrão apelidado de gastador.

Guedes quer preservar BNDES, Caixa e Banco do Brasil do loteamento político. O tempo dirá se vai conseguir.

O futuro de Guedes está atrelado ao apoio do Centrão nas próximas votações

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