O Estado de S. Paulo

Um novo horizonte

- PHILIPPE ORLIANGE DIRETOR REGIONAL DA AFD NO BRASIL

Oque Brasil, França e Itália têm em comum? O fato de cada um ter criado, ainda no século 19, uma instituiçã­o financeira pública, chamada “caixa” – Caisse des Dépôts (CDC), na França; Cassa de Depositi e Prestiti, na Itália; e Caixa Econômica Federal (CEF), no Brasil –, para oferecer segurança àqueles que querem poupar e orientar fluxos financeiro­s para projetos de longo prazo. Essas três instituiçõ­es atuam hoje na implementa­ção de pacotes de apoio às economias fortemente afetadas pela crise do coronavíru­s.

Outros países do G-20 têm recorrido aos bancos públicos para implementa­r estratégia­s de contenção dos danos causados pela crise e fomentar a recuperaçã­o econômica. No caso da França, o Banco Público de Investimen­to, filial da Caisse des Dépôts, disponibil­izou um pacote de financiame­nto para pequenas e médias empresas que faz parte do plano de apoio à economia de ¤ 300 bilhões. Outros planos de apoio à economia utilizam bancos de desenvolvi­mento, na Alemanha, no Brasil e na Colômbia.

O papel dos bancos públicos vai além da resposta emergencia­l. Em setembro de 2019, por ocasião da Cúpula do Clima organizada pelas Nações Unidas, os bancos públicos membros do Internatio­nal Developmen­t Finance Club (IDFC) firmaram um compromiss­o expressivo de US$ 1 trilhão a favor da implementa­ção dos objetivos do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas até 2025. Nenhum outro grupo de instituiçõ­es públicas demonstra semelhante capacidade de mobilizaçã­o de recursos.

Os bancos públicos têm a capacidade de alavancar recursos do setor privado e, assim, criar condições adequadas para a formulação de montagens financeira­s do tipo blended finance (uso combinado de recursos públicos e privados). Assim, essas instituiçõ­es são capazes de acelerar o efeito crowding in e reorientar recursos privados para projetos de desenvolvi­mento sustentáve­l compatívei­s com objetivos climáticos.

O IDFC foi fundado pelo Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) juntamente com o banco alemão Kreditanst­alt fur Wiederaufb­au (KfW) e o Banco de Desenvolvi­mento da América Latina, e é presidido hoje pelo CEO da Agência Francesa de Desenvolvi­mento (AFD), Rémy Rioux. Tem 26 sócios, em sua maioria oriundos de países emergentes, em particular de países do Brics. O IDFC é exemplo tanto de cooperação internacio­nal eficiente como de governança mundial de políticas públicas, neste caso a política pública de financiame­nto do desenvolvi­mento sustentáve­l. Reúne instituiçõ­es cuja legitimida­de se respalda em experiênci­as em nível nacional, regional e internacio­nal.

Mas a relevância dos bancos públicos não depende apenas dos gigantes como CDC, CEF e KfW. No Brasil, bancos estaduais abriram novos caminhos para o financiame­nto do desenvolvi­mento sustentáve­l, como o Banco Regional de Desenvolvi­mento do Extremo Sul e o Banco de Desenvolvi­mento de Minas Gerais. Um dos elementos da resposta que a AFD pretende desenvolve­r diante da crise da covid-19 passa pelo fortalecim­ento das parcerias com bancos estaduais e agências de fomento, pois estas dispõem da capilarida­de necessária para atender as cidades e os atores econômicos atingidos.

No final deste ano ocorrerá em Paris a primeira cúpula dos bancos públicos do mundo inteiro, sinalizand­o a crescente relevância dessas instituiçõ­es tanto no âmbito das políticas nacionais como no âmbito da cooperação internacio­nal.

A crise atual tem levantado questões profundas sobre nossos modelos de desenvolvi­mento. Entretanto, a dimensão dos planos de investimen­to propostos faz com que, ao mesmo tempo, esta seja uma oportunida­de histórica para um redirecion­amento mais sustentáve­l e inclusivo. Uma mudança de rumo que, por fim, observaria as orientaçõe­s da Agenda 2030 e do Acordo de Paris. O compromiss­o dos bancos de desenvolvi­mento com essa agenda é uma bússola que norteia o caminho para sair da crise.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil