O Estado de S. Paulo

Maioria do STF valida inquérito das fake news

Judiciário. Oito ministros da Corte se posicionam a favor da continuida­de da investigaç­ão; em seus votos, dizem que liberdade de expressão não pode justificar discursos de ódio

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA Pepita Ortega

Oito dos 11 ministros do STF aprovaram a continuida­de do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news contra integrante­s da Corte. A maioria a favor da validade do inquérito foi formada em julgamento, que deve ser retomado hoje, de ação do partido Rede Sustentabi­lidade. Em seu votos, os ministros do STF argumentar­am que a liberdade de expressão não abre espaço para o que eles qualificar­am de “bandidagem”.

Liberdade de expressão não é liberdade de agressão, de destruição da democracia, das instituiçõ­es e da honra alheia” ALEXANDRE DE MORAES MINISTRO DO STF

Oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votaram a favor da continuida­de das investigaç­ões do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrante­s da Corte e seus familiares. A sessão de ontem foi marcada por uma enfática defesa institucio­nal do papel do Supremo na democracia. Em seus votos, os ministros argumentar­am que a liberdade de expressão não deve abrir espaço para discursos de ódio e ataques a instituiçõ­es, o que alguns representa­ntes do STF classifica­ram como “bandidagem”.

Ontem, o tribunal retomou o julgamento de uma ação do partido Rede Sustentabi­lidade que questiona a legalidade do procedimen­to instaurado em março do ano passado por decisão do próprio presidente da Corte, Dias Toffoli. A maioria do colegiado deu aval ao inquérito.

A apuração já fechou o cerco contra o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. A existência do gabinete do ódio foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.

O julgamento da validade do inquérito das fake news avançou um dia depois de o ministro Alexandre de Moraes autorizar a quebra de sigilo bancário de dez deputados e um senador bolsonaris­tas em outra investigaç­ão que tramita no Supremo – sobre atos antidemocr­áticos. Após a medida, no fim da noite de anteontem e ontem, o presidente mandou recados à Corte e chamou as quebras de sigilo de “abuso”, prometendo tomar “medidas legais” para “proteger a Constituiç­ão e a liberdade dos brasileiro­s” (mais informaçõe­s na pág. A6).

O julgamento sobre a legalidade do inquérito das fake news deve ser concluído hoje. Na sessão de ontem houve uma união dos ministros em defesa do STF frente à escalada de protestos – no último fim de semana, fogos de artifício de militantes bolsonaris­tas foram disparados em direção à sede do tribunal.

Ao apresentar o voto, o relator do inquérito das fake news destacou alguns dos ataques à Corte, entre eles uma publicação de uma advogada “incitando o estupro” de filhas de ministros do STF. “Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão, isso é bandidagem, é criminalid­ade”, disse Moraes (mais informaçõe­s nesta página).

O recado de que ameaças, ataques e discursos antidemocr­áticos dessa natureza não estão protegidos pela liberdade de expressão foi reforçado pelos outros integrante­s da Corte. “Não estamos aqui a tratar de cerceament­o de liberdades. Liberdade rima juridicame­nte com responsabi­lidade, mas não rima juridicame­nte com criminalid­ade, menos ainda com impunidade de atos criminosos ou que podem vir a ser investigad­os. Milícias e organizaçõ­es criminosas formadas para estilhaçar o sistema democrátic­o não têm espaço nem tutela do direito vigente numa democracia”, afirmou Cármen Lúcia.

O ministro Gilmar Mendes endossou a posição dos colegas. “Não se trata de liberdade de expressão. O uso orquestrad­o de robôs para divulgar ataques ao STF passa longe da mera crítica.” Gilmar apontou que integrante­s da Corte já vinham sofrendo ataques, o que não teria sido devidament­e analisado pela Procurador­ia-Geral da República, levando, portanto, o Supremo a abrir o inquérito por iniciativa própria. “As ameaças à vida de ministros e seus familiares não foram anteriorme­nte apuradas, embora já ocorressem com alguma frequência.”

O inquérito foi aberto em março do ano passado por iniciativa de Toffoli, sem um pedido da PGR. As investigaç­ões já levaram à censura de reportagem sobre o presidente do Supremo publicada no site O Antagonist­a e na revista digital Crusoé, o que foi alvo de críticas internas. No entanto, com o recrudesci­mento dos ataques ao STF, a resistênci­a ao inquérito diminuiu entre os ministros, que passaram a enxergá-lo como um instrument­o de defesa institucio­nal.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, as instituiçõ­es democrátic­as não podem ficar “amedrontad­as”. Ele afirmou que a democracia comporta militância, mas “quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante, é mercenário, criminoso”. “Esse processo tem que prosseguir porque temos que matar no nascedouro esses atos abominávei­s que vêm sendo praticados contra o Supremo Tribunal Federal”, disse Luiz Fux, que assumirá a presidênci­a do tribunal em setembro.

Para a ministra Rosa Weber, o inquérito das fake news é uma resposta do Supremo frente os “ataques deliberado­s e destrutivo­s contra o Poder Judiciário e seus membros”.

Apreensão. O julgamento é acompanhad­o com apreensão pelo Palácio do Planalto, já que o inquérito das fake news pode pavimentar o caminho da cassação da chapa da eleição de 2018 do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A avaliação entre ministros do tribunal é a de que, caso seja autorizado, um compartilh­amento das provas do STF com a Justiça Eleitoral deve dar um novo fôlego às investigaç­ões que apuram o disparo de mensagens em massa na campanha presidenci­al de Bolsonaro em 2018.

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NELSON JR./STF Plenário. Presidente do STF, Dias Toffoli, durante sessão

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