Maioria do STF valida inquérito das fake news
Judiciário. Oito ministros da Corte se posicionam a favor da continuidade da investigação; em seus votos, dizem que liberdade de expressão não pode justificar discursos de ódio
Oito dos 11 ministros do STF aprovaram a continuidade do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news contra integrantes da Corte. A maioria a favor da validade do inquérito foi formada em julgamento, que deve ser retomado hoje, de ação do partido Rede Sustentabilidade. Em seu votos, os ministros do STF argumentaram que a liberdade de expressão não abre espaço para o que eles qualificaram de “bandidagem”.
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Liberdade de expressão não é liberdade de agressão, de destruição da democracia, das instituições e da honra alheia” ALEXANDRE DE MORAES MINISTRO DO STF
Oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votaram a favor da continuidade das investigações do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. A sessão de ontem foi marcada por uma enfática defesa institucional do papel do Supremo na democracia. Em seus votos, os ministros argumentaram que a liberdade de expressão não deve abrir espaço para discursos de ódio e ataques a instituições, o que alguns representantes do STF classificaram como “bandidagem”.
Ontem, o tribunal retomou o julgamento de uma ação do partido Rede Sustentabilidade que questiona a legalidade do procedimento instaurado em março do ano passado por decisão do próprio presidente da Corte, Dias Toffoli. A maioria do colegiado deu aval ao inquérito.
A apuração já fechou o cerco contra o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. A existência do gabinete do ódio foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.
O julgamento da validade do inquérito das fake news avançou um dia depois de o ministro Alexandre de Moraes autorizar a quebra de sigilo bancário de dez deputados e um senador bolsonaristas em outra investigação que tramita no Supremo – sobre atos antidemocráticos. Após a medida, no fim da noite de anteontem e ontem, o presidente mandou recados à Corte e chamou as quebras de sigilo de “abuso”, prometendo tomar “medidas legais” para “proteger a Constituição e a liberdade dos brasileiros” (mais informações na pág. A6).
O julgamento sobre a legalidade do inquérito das fake news deve ser concluído hoje. Na sessão de ontem houve uma união dos ministros em defesa do STF frente à escalada de protestos – no último fim de semana, fogos de artifício de militantes bolsonaristas foram disparados em direção à sede do tribunal.
Ao apresentar o voto, o relator do inquérito das fake news destacou alguns dos ataques à Corte, entre eles uma publicação de uma advogada “incitando o estupro” de filhas de ministros do STF. “Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão, isso é bandidagem, é criminalidade”, disse Moraes (mais informações nesta página).
O recado de que ameaças, ataques e discursos antidemocráticos dessa natureza não estão protegidos pela liberdade de expressão foi reforçado pelos outros integrantes da Corte. “Não estamos aqui a tratar de cerceamento de liberdades. Liberdade rima juridicamente com responsabilidade, mas não rima juridicamente com criminalidade, menos ainda com impunidade de atos criminosos ou que podem vir a ser investigados. Milícias e organizações criminosas formadas para estilhaçar o sistema democrático não têm espaço nem tutela do direito vigente numa democracia”, afirmou Cármen Lúcia.
O ministro Gilmar Mendes endossou a posição dos colegas. “Não se trata de liberdade de expressão. O uso orquestrado de robôs para divulgar ataques ao STF passa longe da mera crítica.” Gilmar apontou que integrantes da Corte já vinham sofrendo ataques, o que não teria sido devidamente analisado pela Procuradoria-Geral da República, levando, portanto, o Supremo a abrir o inquérito por iniciativa própria. “As ameaças à vida de ministros e seus familiares não foram anteriormente apuradas, embora já ocorressem com alguma frequência.”
O inquérito foi aberto em março do ano passado por iniciativa de Toffoli, sem um pedido da PGR. As investigações já levaram à censura de reportagem sobre o presidente do Supremo publicada no site O Antagonista e na revista digital Crusoé, o que foi alvo de críticas internas. No entanto, com o recrudescimento dos ataques ao STF, a resistência ao inquérito diminuiu entre os ministros, que passaram a enxergá-lo como um instrumento de defesa institucional.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, as instituições democráticas não podem ficar “amedrontadas”. Ele afirmou que a democracia comporta militância, mas “quem recebe dinheiro para fazer campanhas de ódio não é militante, é mercenário, criminoso”. “Esse processo tem que prosseguir porque temos que matar no nascedouro esses atos abomináveis que vêm sendo praticados contra o Supremo Tribunal Federal”, disse Luiz Fux, que assumirá a presidência do tribunal em setembro.
Para a ministra Rosa Weber, o inquérito das fake news é uma resposta do Supremo frente os “ataques deliberados e destrutivos contra o Poder Judiciário e seus membros”.
Apreensão. O julgamento é acompanhado com apreensão pelo Palácio do Planalto, já que o inquérito das fake news pode pavimentar o caminho da cassação da chapa da eleição de 2018 do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A avaliação entre ministros do tribunal é a de que, caso seja autorizado, um compartilhamento das provas do STF com a Justiça Eleitoral deve dar um novo fôlego às investigações que apuram o disparo de mensagens em massa na campanha presidencial de Bolsonaro em 2018.