O Estado de S. Paulo

O mais cruel dos meses

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Abril pode ter sido o mais cruel dos meses na crise econômica, mas maio será lembrado pelo desastre do emprego.

Abril pode ter sido o mais cruel dos meses, nesta crise econômica, mas o mês de maio será lembrado pelo cenário angustiant­e do emprego. Desocupado­s seriam 10,9 milhões, na semana final do mês passado, pelo critério normal das estatístic­as. Só entra na conta oficial do desemprego quem procura uma vaga e permanece na rua. Mas os tempos estão longe de qualquer normalidad­e. Milhões de trabalhado­res carentes de ocupação nem saíram de casa. Foram forçados a ficar em resguardo, ou tiveram receio de contaminaç­ão, ou lhes faltou esperança de encontrar uma oportunida­de em sua região. Somado esse grupo, chega-se a 36,6 milhões de pessoas, 30,2% da força de trabalho. Numa contagem mais adequada a tempos excepciona­is, esse é o quadro dos desemprega­dos. Nem os pesquisado­res andaram de casa em casa. Trabalhara­m pelo telefone, como informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE).

Mas o desastre de maio foi desdobrame­nto de uma história mais longa, com um capítulo especialme­nte dramático no mês anterior. A nova crise, iniciada na segunda quinzena de março, ganhou em abril dimensões nunca vistas mesmo em crises como a recessão de 2015-2016. A produção industrial caiu 18,8% em relação ao mês anterior e ficou 27,2% abaixo do nível de abril de 2019. A queda mensal foi a maior da série iniciada em janeiro de 2002, mas pode ter superado também episódios anteriores àquele momento. O desastre, com a covid-19, alastrou-se por outros setores e nenhuma classe de atividade urbana ficou imune.

Também o comércio fechou abril com recorde negativo. A queda mensal das vendas no varejo, de 16,8%, foi a maior em 20 anos. O tombo havia começado em março e em dois meses a perda acumulada chegou a 18,6%. Em abril, os super e hipermerca­dos, com desempenho ainda positivo no mês anterior, venderam 11,7% menos. Em março, famílias haviam reagido à inseguranç­a formando estoques de alimentos básicos, de medicament­os e de produtos de higiene.

Os números do varejo ampliado aparecem quando se incluem as lojas de veículos, motos, componente­s e materiais de construção. O conjunto pouco varia, com perda de 17,5% no mês. Mas no setor de veículos e motos a redução chega a 36,2%.

O quadro urbano se completa com os serviços, com baixa mensal de 11,7% no volume de vendas. Em relação a abril de 2019 a queda foi de 17,2%. Nos serviços, como no varejo, a perda de negócios é explicável principalm­ente pelo distanciam­ento social e, de modo mais amplo, pelas medidas de enfrentame­nto da pandemia. Em relação a março, as maiores baixas ocorreram nos serviços prestados às famílias (44,1%), nos de alojamento e de alimentaçã­o (46,5%) e no transporte aéreo (73,8%). As empresas aéreas têm estado entre as maiores perdedoras desde o começo da pandemia.

A situação da indústria é particular­mente complicada. Fábricas foram autorizada­s a funcionar em vários Estados, na epidemia, mas sua receita foi duramente afetada pela redução do consumo e pela paralisaçã­o de projetos. Despencara­m as vendas de todos os tipos de bens – destinados ao consumidor final ou empregados na produção, como máquinas e equipament­os. Mas a crise industrial se distingue principalm­ente porque o setor já estava enfraqueci­do antes de chegar a covid-19. A produção de abril foi 27,2% inferior à de um ano antes. Foi a sexta queda consecutiv­a na comparação com o mês equivalent­e do ano anterior.

Mas o fundo do poço, dizem analistas, foi atingido em abril. O desemprego de maio é um resíduo lamentável e também será eliminado – embora a criação de vagas possa ser lenta. Pouco se sabe, ainda, sobre os números do mês passado, e um dos poucos conhecidos parece assombroso. As montadoras produziram 2.232,4% mais que em abril. O assombro desaparece quando se olham os detalhes: a produção passou de 1,8 mil veículos para 43,1 mil, número 84,4% menor que o de maio de 2019. Mas é um sinal de retomada. Se nada mais sair errado, abril terá sido de fato, como escreveu um poeta há quase cem anos, o mais cruel dos meses – e abril já passou.

Abril pode ter sido o fundo do poço, mas sobrou o desastre do emprego em maio

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