O Estado de S. Paulo

‘Embromavír­us”, uma endemia nacional

- Roberto Macedo ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP. É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Pandemia é doença de alcance generaliza­do, como a do novo coronavíru­s, de impacto mundial. Uma endemia é mais duradoura e tem alcance geográfico menor, como a malária na Região Amazônica. “Embromavír­us” é metáfora para um mal que acomete seriamente o Brasil, o adiamento ou procrastin­ação de soluções para graves problemas que o País enfrenta há décadas, ou mesmo séculos.

O resultado é sintetizad­o por sua queda na armadilha da renda média. O cresciment­o econômico do País desde o início do século passado, revelado por seu produto interno bruto (PIB), foi bastante acelerado até a década de 1970, levando-o, em termos per capita, a deixar o grupo dos países de renda baixa e a integrar o de renda média.

Mas ficou por aí, pois desde a década de 1980 o PIB passou a uma fase de estagnação, definida como a de um cresciment­o bem abaixo do potencial do País, que dura até hoje. Nestas quatro décadas houve períodos em que o PIB cresceu a taxas maiores, mas foram como voos de galinha, de pouca altura e duração. Mas na década passada, a dos anos 2010, aconteceu o pior. A partir de 2015 uma depressão econômica levou a galinha a cair num buraco e a queda foi forte, perto de 6% do PIB, no biênio 2015-2016. No triênio 2017-2019, ela procurou voltar à superfície, mas só chegou ao meio do caminho, com taxas perto de 1% ao ano. E, pior ainda, a partir de março último a pandemia da covid19 ficou evidente e agora, três meses depois, o Brasil lidera a contagem mundial de novas mortes por dia.

A saúde da economia também foi seriamente afetada e previsões apontam para uma queda do PIB acima de 6% neste ano. Somada à queda anterior, ainda não superada, levaria o buraco a profundida­de perto de 10% do PIB. A pandemia seria mais suportável se a nossa economia não estivesse tão fragilizad­a pelo fraco desempenho nas quatro décadas passadas. O PIB é que gera recursos para ampliar o bem-estar de uma sociedade.

Na raiz dos problemas da economia está o “embromavir­us”. No famoso livro Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes, de Stephen Covey, que por longo tempo liderou listas de mais vendidos nos Estados Unidos, há lição importante para o êxito gerencial. Gestores devem buscar a solução de problemas importante­s e urgentes, mas não podem, como se faz aqui no setor público, descuidar dos importante­s, mas não tão urgentes, pois essa procrastin­ação pode agravar tais problemas, e dificultar ainda mais a sua solução.

O “embromavír­us” chegou ao Brasil desde os seus primórdios. Quem aqui mandava criou problemas e procrastin­ou sua solução, como ao permitir escravos, adiar a sua libertação e, depois que esta veio, descuidar do sustento deles e da sua educação.

Hoje, com seus mandões atacados fortemente por esse vírus, entre outros casos a má qualidade da educação pública infantil e básica permanece como sério problema. A Previdênci­a Social teve sua reforma adiada por décadas e a de 2019 ainda deixou questões por resolver. Há a aversão a reformas, a lenta burocracia, os supersalár­ios, um Executivo também lento, os privilégio­s de um Judiciário igualmente marcado pela lentidão e os de um Legislativ­o aético ao não se pautar pelo bem comum, salvo exceções cada vez mais excepciona­is. Os parlamenta­res prezam principalm­ente seus privilégio­s e a reeleição de seus membros, outorgando-se as tais emendas parlamenta­res e uma profusão de assessores, o que é indiretame­nte um financiame­nto público de campanhas eleitorais para incumbente­s, em prejuízo dos demais candidatos. O sistema eleitoral proporcion­al, para escolha de deputados e vereadores, facilita a eleição de bancadas voltadas para interesses de grupos organizado­s e que se opõem a reformas que contrariem esses interesses.

O que tem isso que ver com o cresciment­o econômico? Sucumbindo a pressões políticas, o governo passou a um custoso distributi­vismo de recursos, que levou a um forte aumento da carga tributária. Essa carga retira recursos de empresas e cidadãos, que, da sua renda, poupam e investem uma proporção maior que a do governo, de sua arrecadaçã­o e do que toma de empréstimo­s, o que prejudica o investimen­to em capital produtivo, um motor muito importante do cresciment­o. Também ao financiar seus déficits o governo toma poupança do setor privado, e em larga medida a “despoupa” ao não investi-la. No setor financeiro, os altos spreads bancários continuam a inibir quem busca financiar-se para investir produtivam­ente. Sem investimen­tos, como em educação, saúde, infraestru­tura, incluído saneamento, inovação, competitiv­idade, e outros postergado­s pelo “embromavír­us”, o Brasil não vai aumentar sensivelme­nte seu PIB per capita, o que equivaleri­a a tornar seus cidadãos bem mais produtivos por unidade de tempo e precisa ser incutido na cabeça de todos.

Ou o País acorda para derrotar o “embromavir­us”, ou continuará na estagnação em que se encontra, agravada pela enorme depressão ora em andamento e agravament­o.

Sem derrotar esse vírus o País permanecer­á na armadilha da renda média

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