O Estado de S. Paulo

Bolsonaro mantém discurso dúbio após ações contra aliados

A apoiadores, presidente classifico­u quebra de sigilo de deputados como ‘abuso’; na frente de Toffoli, falou em respeito à Constituiç­ão

- BRASÍLIA / VERA ROSA, JULIA LINDNER e JUSSARA SOARES

O presidente Jair Bolsonaro adotou ontem um discurso dúbio sobre a reação do governo às decisões do Supremo Tribunal Federal que têm atingido seus aliados. Na posse do ministro das Comunicaçõ­es, Fábio Faria, Bolsonaro citou o “povo” como escudo, na tentativa de blindar o governo, mas à noite subiu o tom e comparou o que vem pela frente a uma “emboscada”. Menos de 24 horas após ter dito que não poderia assistir calado a “abusos”, o presidente oscilou entre a fúria e sinais de paz na direção do STF.

“É igual a uma emboscada. Tem que esperar o cara se aproximar, vem mais. Vem jogando ovo, pedra. Chega mais, chega mais (...) Não quero medir forças com ninguém, (mas) continua vindo”, afirmou Bolsonaro ao falar com apoiadores, no Alvorada, pouco antes de participar ali mesmo do ato de arriamento da bandeira ao lado do comandante do Exército, Edson Pujol. No dia do julgamento da validade do inquérito das fake news e depois de o ministro do Supremo Alexandre de Moraes autorizar a quebra de sigilo bancário de 11 parlamenta­res bolsonaris­tas, o presidente mandou recados à Corte.

“Não são as instituiçõ­es que dizem o que o povo deve fazer. É o povo que diz o que as instituiçõ­es devem fazer”, afirmou Bolsonaro, sob aplausos, em cerimônia no Planalto. Sentado a poucos metros dele, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, não aplaudiu de início, mas acabou se rendendo.

“Temos de fazer valer os valores da democracia para que consigamos atingir o nosso objetivo. Nosso povo espera liberdade. Temos uma Constituiç­ão. Em que pese alguns de nós não concordare­m com alguns artigos, temos o compromiss­o de honrá-la e respeitá-la para o bem comum”, disse Bolsonaro.

Na mesma linha, o novo ministro das Comunicaçõ­es disse que é preciso focar no combate ao coronavíru­s. “É hora de pacificar o País”, disse Faria, que foi eleito deputado pelo PSD do Rio Grande do Norte e é genro do apresentad­or Sílvio Santos.

A cerimônia contou com integrante­s do Centrão, como os presidente­s do PSD, Gilberto Kassab; do Republican­os, deputado Marcos Pereira, e do Progressis­tas, senador Ciro Nogueira. O Ministério das Comunicaçõ­es foi desmembrad­o da pasta de Ciência e Tecnologia, que continuará sob o comando de Marcos Pontes. Responsáve­l pela publicidad­e do governo, a Secretaria Especial de Comunicaçã­o passou para o guarda-chuva da pasta dirigida por Faria.

‘Abuso’. Pouco antes da solenidade, Bolsonaro se reuniu com um grupo de militantes, nos jardins do Alvorada. Ali, seu discurso era mais aguerrido. “Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. (Mas) eles estão abusando. Isso está a olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem (anteontem), quebrando sigilo de parlamenta­res, não tem em história nenhuma vista em uma democracia, por mais frágil que ela seja”, disse o presidente, embora essa prática já tenha sido adotada várias vezes. “Então, está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar.”

Mesmo sem citar o STF, Bolsonaro não deixou dúvidas sobre o destinatár­io de suas mensagens, tratando os magistrado­s por “eles”. Não é de hoje que o presidente se queixa de que decisões da Corte e do Congresso invadem atribuiçõe­s do Executivo e parecem feitas sob medida para derrubá-lo. No último dia 27, um dia depois de o Supremo fechar o cerco contra o “gabinete do ódio”, Bolsonaro fez ameaças e disse que “ordens absurdas não se cumprem”, agravando a crise.

Após a deflagraçã­o da operação de anteontem no inquérito que investiga atos antidemocr­áticos organizado­s por aliados, no entanto, Bolsonaro ficou em silêncio por algumas horas. Pressionad­o nas redes, porém, falou em “abuso”. “Só pode haver democracia onde o povo é respeitado, onde os governados escolhem quem irá governá-los e onde as liberdades fundamenta­is são protegidas.”

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