O Estado de S. Paulo

Sob o simples império da lei

- Carlos Melo CIENTISTA POLÍTICO. PROFESSOR DO INSPER

Até por gestos e pensamento­s, presidente­s da República devem prezar a Constituiç­ão a que juraram defender. Não podem fazer a interpreta­ção que lhes convém. De acordo com a lei, o guardião da Constituiç­ão é o Supremo Tribunal Federal. O título “supremo” não é mera figura de linguagem. É o STF quem arbitra o jogo das leis. Para mudar isso, só por meio de uma Constituin­te – talvez.

Assim, o ministro do STF Alexandre de Moraes tem autorizado sindicânci­as que atingem aliados do presidente, não por serem aliados, mas por suspeitas e indícios de estarem envolvidos com atos ilegais; não se lhes questiona a liberdade de expressão nem o direito de exercê-la, mas ações concretas que poderiam ir de encontro à lei. Moraes é experiente, tendo passado por várias esferas de poder, nesse campo. Sabe qual ferida tocar e, pelo jeito, tem causado muita dor e receio ao bolsonaris­mo.

Noutros governos, parlamenta­res, empresário­s e operadores políticos passaram por processos semelhante­s; foram presos justamente por terem agido fora da lei. O que contou com o entusiasmo do então deputado e de seus aliados, que ora se encontram sob o mesmo rigor, o rigor da lei. Mas, agora, tudo parece causar desconfort­o e até desalento ao presidente, temeroso de ver ruírem as redes de enfrentame­ntos às instituiçõ­es e a imprensa paralela criadas em seu favor e em sua proteção. Além disso, os processos podem chegar ao Tribunal Superior Eleitoral e colocar em risco o próprio mandato.

O que Bolsonaro poderia contra isso? Esperar

que os envolvidos, não ele, recorram contra o que considerar­em ilegal, nos termos da lei. Politicame­nte, acionar o Legislativ­o para alterar a legislação, uma vez que tenha maioria para fazê-lo – o que não tem. Recorrer à “força bruta”, dentro da lei, não pode. E, se não pode, melhor não insinuar. Presidente­s da República podem muito, mas não tudo. Milhões de votos não lhes dão a voz do “povo”, apenas responsabi­lidade perante a lei. São eleitos, não ungidos.

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