O Estado de S. Paulo

Ex-conselheir­o da Casa Branca diz que Trump pediu ajuda da China na eleição

Diplomacia. Imprensa publica trechos do livro de John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional, primeiro relato de um alto funcionári­o sobre bastidores do governo; presidente é retratado como alguém ignorante e facilmente manipulado por líderes autoritár

- WASHINGTON

John Bolton, ex-conselheir­o de Segurança Nacional da Casa Branca, disse que Donald Trump pediu ajuda ao presidente chinês, Xi Jinping, para vencer a eleição de novembro. A denúncia está no novo livro de Bolton, com lançamento marcado para terçafeira que vem. O Departamen­to de Justiça entrou com uma ação judicial para barrar a publicação, mas alguns trechos foram revelados ontem pela imprensa americana.

Segundo Bolton, o pedido ocorreu durante uma reunião com Xi a portas fechadas, em junho de 2019. “Surpreende­ntemente, Trump mudou o rumo da conversa e passou a falar das próximas eleições presidenci­ais americanas, se referindo à capacidade econômica da China e implorando para que Xi garantisse sua vitória”, escreveu o ex-conselheir­o.

Durante a reunião, Trump usou a guerra comercial com o país asiático para obter vantagens políticas. De acordo com Bolton, o presidente teria pedido que Xi comprasse produtos agrícolas americanos para que ele pudesse vencer a eleição em Estados-chave dos EUA. “Ele (Trump) enfatizou a importânci­a dos agricultor­es e das importaçõe­s chinesas de soja e trigo no resultado das eleições”, disse o ex-conselheir­o.

A Casa Branca de Trump já foi objeto de outros livros. No entanto, até então, todos haviam sido relatos de jornalista­s ou de ex-funcionári­os com pouco acesso a informaçõe­s privilegia­das. É a primeira vez que um alto servidor público do governo conta detalhes em primeira mão de bastidores da gestão.

Bolton é um republican­o histórico, que milita no partido desde os anos 60 e sempre apresentou credenciai­s impecáveis em gabinetes de presidente­s conservado­res, como Ronald Reagan e George Bush, pai e filho. Defensor de intervençõ­es militares americanas em outros países, ele foi nomeado conselheir­o de Segurança Nacional em abril de 2018 e demitido pelo Twitter em setembro de 2019. “Seus serviços não serão mais necessário­s na Casa Branca”, escreveu o presidente.

O intervenci­onismo de Bolton incomodava Trump. O exconselhe­iro defendia posições mais duras contra Venezuela, Coreia do Norte e o Taleban, no Afeganistã­o. A demissão ocorreu logo após a notícia de que Trump havia pedido ajuda do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, para investigar

Joe Biden, democrata que liderava a corrida presidenci­al e maior rival na campanha.

Durante o processo de impeachmen­t, Bolton se tornou alvo de intimações de deputados e senadores democratas, que queriam que ele testemunha­sse no inquérito contra o presidente – a Casa Branca conseguiu barrar seu depoimento. Desde que deixou o governo, no entanto, o exconselhe­iro anunciou a intenção de escrever suas memórias.

Antes mesmo de ser lançado, o livro The Room Where It Happened

(“A Sala Onde Tudo Aconteceu”, em tradução livre) se tornou um best-seller nos EUA. Ontem, os jornais The Wall Street Journal e New York Times publicaram trechos da obra. Em 577 páginas, Bolton diz que o inquérito de impeachmen­t ignorou outras ações criminosas do presidente e garante que muitos aliados e assessores falam mal de Trump pelas costas.

Bolton descreve ainda vários episódios em que o presidente atuou para obstruir investigaç­ões criminais – além do escândalo da Ucrânia, que foi alvo do inquérito de impeachmen­t. O ex-conselheir­o cita “favores” concedidos a “ditadores” e empresas da China e da Turquia.

Quem teve acesso afirma que o livro é um retrato sombrio de um presidente ignorante e suscetível a elogios feitos por líderes autoritári­os que o manipulam facilmente. Segundo Bolton, Trump não sabia, por exemplo, que o Reino Unido tinha armas nucleares e perguntou, uma vez, se a Finlândia fazia parte da Rússia.

Bolton diz também que os EUA estiveram mais perto do que se imagina de sair da Otan e cita um bilhete constrange­dor do secretário de Estado, Mike Pompeo. Em 2018, durante reunião com Kim Jong-un, Pompeo teria escrito para Bolton uma mensagem criticando Trump. “Ele só fala bobagem”, dizia o bilhete. Além da tentativa de impedir o lançamento do livro, ninguém na Casa Branca comentou ontem os trechos publicados na imprensa.

“Trump mudou o rumo da conversa, se referindo à capacidade econômica da China e implorando para que Xi garantisse a sua vitória”

TRECHO

DO LIVRO

DE JOHN

BOLTON

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KEVIN LAMARQUE/REUTERS-29/6/19 Pedido. Fatídico encontro citado por Bolton: Donald Trump cumpriment­a presidente chinês, Xi Jinping, em junho de 2019
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