O Estado de S. Paulo

Novo corte dos juros. E pode vir mais

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Ocorte dos juros básicos (Selic) para 2,25% ao ano decidido na quarta-feira já havia sido anunciado oficialmen­te na reunião anterior do Copom, portanto já era esperado e estava no preço, como se diz no jargão do mercado financeiro.

A novidade é que este pode não ser o último da atual temporada de redução de juros, que começou em julho do ano passado, como afirmava o documento do Banco Central da reunião de maio. O comunicado de quarta-feira admite nova redução dos juros, mas adverte que “eventual ajuste futuro no atual grau de estímulo monetário será residual”. Não ficou dito quando será feito o ajuste nem em que proporção.

A inflação tem tudo para continuar em queda. Como está no Boletim Focus, nada menos que 116 informante­s consultado­s semanalmen­te pelo Banco Central projetam para todo este ano uma inflação inédita de apenas 1,6%, abaixo do piso da meta de 2,5% (4,0% menos da margem de tolerância de 1,5 ponto porcentual). Para a decisão dos juros, o Copom reduziu sua projeção de inflação de 2,3% para 1,9%.

A percepção majoritári­a hoje é a de que, quando começar, a recuperaçã­o da economia será lenta, o que aponta para um consumo muito contido e, portanto, para uma baixa pressão de demanda, fatores que tendem a segurar a inflação. Daí por que o Banco Central se verá na obrigação de irrigar ainda mais a economia, para ver se pega no tranco.

Convém aqui fazer uma observação para aqueles que não têm tanta intimidade com o tema. Os economista­s às vezes passam a impressão de que o Banco Central conta com uma espécie de máquina que manipula diretament­e os juros: quando quer juros mais baixos aciona a máquina para achatá-los; quando quer o contrário, alivia a máquina dos juros. Os juros são apenas o efeito da ação do Banco Central. A política consiste no manuseio do volume de moeda na economia. Pelo mesmo mecanismo da lei da oferta e da procura, quando aumenta a demanda por dinheiro, os juros sobem porque são o preço do dinheiro. Quando aumenta a oferta de dinheiro e a demanda não acompanha, os juros mergulham. Quando os juros caem, como agora, o Banco Central está injetando mais moeda, em proporção tal que a Selic se estabiliza­rá em 2,25% ao ano.

Desta vez, o maior problema do Banco Central é o de que boa parcela dos recursos que estão no sistema não circula como em tempos normais, porque a atividade econômica está semiparali­sada. E o crédito, que seria uma das correias de transmissã­o da política monetária, também enfrenta o alto endividame­nto das empresas e das pessoas físicas, num ambiente de baixo ou nenhum faturament­o pelas empresas e de perda de salário ou de renda pelas pessoas físicas.

Esse empoçament­o de recursos não é fenômeno exclusivam­ente brasileiro. Nos países avançados também há uma abundância nunca vista de moeda semiparali­sada. Para enfrentar a crise, os governos dos países ocidentais já injetaram cerca de US$ 10 trilhões e os bancos centrais, outros US$ 6 trilhões, conforme informou dia 15 ao diário espanhol El País a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacio­nal, Kristalina Georgieva. A principal razão pela qual em tantos países os juros hoje são negativos ou estão ao redor de zero por cento ao ano é a de que não há muito o que se possa fazer com o dinheiro. É oferta demais e pouca opção de utilização de maneira a dar um bom retorno. Essa é a principal razão pela qual as bolsas estão galopando.

Em toda a parte e também aqui, o motor da política monetária vem acusando baixa eficácia. Deixou de ser o instrument­o mais adequado para propulsar a economia. Daí por que cada vez mais gente se pergunta até que ponto cabe aumentar o volume de moeda se o sistema já não responde.

O momento recomenda a utilização da política fiscal não somente para socorrer empresas, mas, principalm­ente, para acionar projetos de investimen­to em infraestru­tura que criem empregos e renda que, por sua vez, alavanquem o consumo e o setor produtivo.

O problema é que, mais aqui no Brasil do que lá fora, o motor fiscal também está batendo os pinos e queimando óleo, não só pela pandemia, que derrubou a arrecadaçã­o e catapultou as despesas públicas, mas, também, pela baixa confiança inspirada pelo governo, que inibe o investimen­to privado.

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