O Estado de S. Paulo

Conselho suspende envio de casos à força-tarefa de SP

Procurador denunciou irregulari­dade na distribuiç­ão de processos para a Lava Jato; relator cobrou explicaçõe­s

- Eliane Cantanhêde Breno Pires / BRASÍLIA

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) determinou ontem que a Procurador­ia de São Paulo suspenda o envio de processos diretament­e para a força-tarefa da Lava Jato e explique os critérios usados para remeter os casos aos procurador­es do grupo.

A decisão tem como base denúncia do procurador Thiago Lemos de Andrade de que o Ministério Público de São Paulo comete “grave violação” aos princípios constituci­onais de isonomia e impessoali­dade na distribuiç­ão de processos para a força-tarefa, e não para os procurador­es naturais dos casos, sem passar pela Procurador­ia.

Andrade pede uma auditoria no Ministério Público do Estado e acusa a Lava Jato de ter se “vulgarizad­o” e virado “uma grife que não passa de puro marketing institucio­nal”. Na liminar em que determina a “distribuiç­ão aleatória” dos processos, o conselheir­o Marcelo Weitzel, relator da denúncia, afirma ver risco de que a “irregulari­dade se perpetue”.

Weitzel deu um prazo de 15 dias para que o chefe da Procurador­ia de São Paulo explique em quais normas se baseou para enviar processos à força-tarefa da operação. A decisão do relator não afeta casos já enviados ao grupo.

Para o autor da denúncia, existe uma interferên­cia política na distribuiç­ão dos processos. “Em São Paulo, os inúmeros casos sob o título guardachuv­a de ‘Lava Jato’ tramitam em diferentes varas (da Justiça), circunstân­cia que, por si só, escancara a ausência de conexão entre eles”, acusa o procurador.

Esse processo no CNMP comprova que os ataques aos integrante­s e aos métodos da Lava Jato não partem só da PGR, mas também de procurador­es nos Estados. Indica, ainda, que essas críticas não se restringem apenas à força-tarefa de Curitiba – vão além e têm como alvo a de São Paulo e a do Rio.

O marco da guerra entre a Procurador­ia-Geral da República e a Lava Jato foi a ida da subprocura­dora-geral Lindôra Araújo a Curitiba, com duas reuniões tensas, no mês passado, com o procurador Deltan Dallagnol, coordenado­r da força-tarefa, e outros integrante­s do grupo. As versões dos dois lados são conflitant­es.

Lindôra, que é muito ligada ao procurador-geral, Augusto Aras, e amiga de filhos do presidente Jair Bolsonaro, relatou na volta que foi “maltratada” e

O CNJ intimou a juíza Gabriela Hardt para explicar a oferta – autorizada pela magistrada – de R$ 508 milhões da força-tarefa da Lava Jato no Paraná ao governo federal para combater a covid-19.

que Dallagnol se recusou a repassar os arquivos requisitad­os pela PGR. A força-tarefa reagiu dizendo que só fez ressalvas quanto a documentos e dados sigilosos, que exigem pedidos formais e especifica­dos.

Depois de aberto o conflito, a Lava Jato de São Paulo deflagrou a operação de busca e apreensão em endereços do senador José Serra (PSDB-SP), sua filha Veronica Serra e alvos apontados como “operadores” de campanha do tucano. A decisão do CNMP com base na denúncia de Andrade poderá refletir no caso de Serra.

Há dúvidas sobre o impacto jurídico na operação contra o senador tucano, mas a avaliação na Procurador­ia-Geral é a de que ele poderá dar munição aos advogados de Serra para contestar a lisura na distribuiç­ão das ações e na condução do próprio processo em si.

Relator. O pedido de providênci­as chegou ao CNMP em 13 março e estava parado no gabinete de Aras até ontem, quando ele designou Weitzel como relator. O conselho está de recesso, mas a decisão pode ser tomada pelo conselheir­o, uma vez que o expediente já está em curso.

Procurador­es de São Paulo ouvidos pela reportagem, sob a condição de não terem os nomes divulgados, enxergam na abertura do processo uma tentativa de frear a Operação Lava Jato depois da denúncia contra Serra.

A força-tarefa da Lava Jato disse que “atua nos estritos limites da portaria do procurador­geral da República”. Já a justificat­iva do Ministério Público Federal em São Paulo para direcionar os processos à força-tarefa se baseia em portarias da PGR. Segundo essas portarias, todos os processos com conexão com a Lava Jato devem ir para o grupo que atua na operação.

Críticos de Aras no Ministério Público Federal não veem mera coincidênc­ia na decisão que afeta a Procurador­ia em São Paulo, neste momento de embate com a Operação Lava Jato de Curitiba e de questionam­entos ao modelo de forças-tarefa. A avaliação interna é a de que seria mais um passo dado na tentativa de deslegitim­ar a Lava Jato.

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FELIPE RAU/ESTADÃO-3/07/2020 Lava Jato. Policial federal durante operação em São Paulo; procurador aponta ‘violação grave’ ao princípio de isonomia

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