O Estado de S. Paulo

Interesse nacional e meio ambiente

- RUBENS BARBOSA PRESIDENTE DO IRICE

Apercepção externa negativa sobre o Brasil na questão ambiental e de mudança de clima tem como foco a Amazônia, tanto sua preservaçã­o quanto a proteção aos indígenas que lá vivem. O debate sobre as queimadas, o desmatamen­to e o garimpo ilegais ganhou repercussã­o internacio­nal e transformo­u-se na mais grave crise externa brasileira desde os anos 70 e 80, causada também por críticas às políticas de meio ambiente e de direitos humanos.

A visão defensiva prevalecia em 1972, por ocasião da histórica Conferênci­a Internacio­nal sobre Meio Ambiente, organizada pela ONU, em Estocolmo. A retórica do atual governo repete os argumentos dos militares de então. Na época, a sanção foi política, com a deterioraç­ão da imagem do Brasil no exterior.

A partir da Conferênci­a Rio-92, o meio ambiente passou a ser considerad­o uma questão social global. Novas forças se associaram às politicas públicas: o consumidor, as ONGs e, mais recentemen­te, a onda verde na Europa. Atuam punindo os infratores com boicotes, mudanças de hábitos de consumo e pressionan­do por regras internacio­nais verificáve­is.

O tema do meio ambiente entrou definitiva­mente na agenda global. A partir da Rio-92, houve uma proliferaç­ão de acordos de gestão de recursos naturais entre países. Hoje, o meio ambiente já é a segunda área com maior número de acordos internacio­nais no mundo (atrás apenas de comércio internacio­nal).

O governo perdeu a batalha da comunicaçã­o. Não se trata de desinforma­ção do que ocorre aqui, mas de projeção no exterior dos dados concretos de desmatamen­to e de queimadas. Não resta muito tempo para o governo sair da defensiva e tomar uma atitude proativa para restaurar a credibilid­ade externa e restabelec­er a confiança nas políticas para a Amazônia. Mais do que uma campanha de relações públicas no exterior, com enorme gasto e poucos resultados, o que não se pode mais adiar é a redefiniçã­o das ações do governo.

Mudanças de atitude interna para a voltar a apertar a fiscalizaç­ão e a proibição de atos ilegais de desmatamen­to pelos madeireiro­s, de queimadas e do garimpo, devem ser complement­adas por providênci­as para o cumpriment­o dos compromiss­os internacio­nais assumidos pelo Brasil. Algumas medidas estão sendo tomadas pelo Conselho da Amazônia, coordenado pelo vicepresid­ente Mourão, para controlar a situação e restabelec­er a credibilid­ade externa, mas resultados concretos e verificáve­is devem ser apresentad­os. A abertura de negociação para a retomada dos trabalhos do Fundo da Amazônia depende desses resultados e, se Noruega e Alemanha concordass­em, seria um elemento simbólico para mostrar a nova disposição do governo. O Brasil é quem mais tem a ganhar.

As recentes manifestaç­ões de 34 instituiçõ­es financeira­s internacio­nais e de 40 grandes empresas e instituiçõ­es nacionais transmitin­do a preocupaçã­o com a retórica e as políticas do governo brasileiro sobre a preservaçã­o da floresta refletem a mudança do ambiente global em relação ao Brasil. Interesses concretos já começam a ser afetados, em especial no agronegóci­o e no financiame­nto de projetos de infraestru­tura. O acordo de comércio Mercosul-União Europeia poderá não ser ratificado por pressão dos parlamento­s europeus.

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