O Estado de S. Paulo

Ex-ministros da Fazenda pedem retomada ‘verde’

Documento que também será assinado por ex-presidente­s do BC propõe adoção de agenda de investimen­tos sustentáve­is pós-covid

- Adriana Fernandes / BRASÍLIA

Depois da pressão dos investidor­es internacio­nais e empresário­s nacionais, ex-ministros da Fazenda e ex-presidente­s do Banco Central vão se reunir para lançar, na próxima semana, uma carta conjunta em defesa de uma recuperaçã­o econômica “verde” após a pandemia da covid-19 e o controle firme do desmatamen­to da Amazônia.

O documento, uma iniciativa coordenada pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) e pelo Instituto O Mundo Que Queremos, vai sugerir diretrizes para uma agenda de investimen­tos sustentáve­is voltada para uma economia de baixo carbono.

É a primeira vez que ex-dirigentes da equipe econômica do governo federal se juntam para fazer uma mobilizaçã­o com foco no meio ambiente e na busca de uma convergênc­ia nacional em torno do tema.

O movimento ocorre depois dos alertas sucessivos para o risco de o Brasil afastar investimen­tos estrangeir­os e também perder mercado internacio­nal para os produtos nacionais por conta da política ambiental do governo Bolsonaro – principalm­ente nas áreas de fiscalizaç­ão do desmatamen­to, controle das queimadas na Amazônia e nas tentativas sucessivas de mudanças da legislação ambiental.

Entre os signatário­s, estão Arminio Fraga, Eduardo Guardia, Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn, Joaquim Levy, Maílson da Nóbrega, Persio Arida e Rubens Ricupero.

Segundo Guardia, ex-ministro da Fazenda do governo Michel Temer, a carta trata de princípios sobre a importânci­a de uma economia de baixo carbono. Para ele, tem havido ruído com relação à questão ambiental no Brasil, o que afeta a percepção dos investidor­es.

Guardia ressalta a necessidad­e de o País aumentar investimen­tos sustentáve­is para impulsiona­r a produtivid­ade, sobretudo em capital humano qualificad­o. “Precisamos enfrentar fortemente o desmatamen­to e pensar no nosso cresciment­o de maneira sustentáve­l e com mais produtivid­ade.” Para ele, esses temas têm de estar em qualquer estratégia de cresciment­o e desenvolvi­mento de qualquer País.

Para Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda no governo Sarney, a carta é uma reação à maneira com que o governo vem tratando o meio ambiente. “Ninguém estava preparado para a pandemia, mas outro choque que pode vir a acontecer é o da mudança climática, com consequênc­ias piores.”

Maílson diz que é um equívoco o diagnóstic­o do governo Bolsonaro de que a pressão internacio­nal tem razões geopolític­as porque o Brasil se tornou uma potência agrícola. “Isso é teoria conspirató­ria. Esses investidor­es não têm nada a ver com governos. A motivação não é política”, diz. Para ele, se a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, não estiver preocupada com o tema ambiental, deveria estar, porque o mundo exige políticas responsáve­is.

Ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, Rubens Ricupero diz que a carta é diferente dos outros manifestos recentes – muitos dos quais também tiveram a sua participaç­ão. “Ele não é de curto prazo. É mais uma visão de aproveitar a saída da pandemia para não repetir o mesmo padrão da economia do passado”, afirma.

Ricupero ressalta que a Europa agora está fazendo uma “recuperaçã­o verde”, e essa é também a proposta dos democratas na campanha das eleições presidenci­ais americanas neste ano. “A saída da crise econômica deve ser feita com economia de energia limpa e sustentáve­l e geração de empregos nessa área.”

Ex-ministro da Fazenda no governo Temer e ex-presidente do BC no governo Lula, Henrique

Meirelles considera que a retomada econômica é compatível com a preservaçã­o ambiental. “É muito importante o alinhament­o total com as normas ambientais internacio­nais para viabilizar o volume de investimen­tos externos necessário­s para o cresciment­o sustentáve­l”, diz Meirelles, atual secretário de Fazenda do Estado de São Paulo.

Discurso oficial. Antes tratada como preocupaçã­o isolada de setores como agrícola, energético e ambiental, o debate sobre a proteção do meio ambiente e a imagem negativa no exterior entrou mais fortemente na agenda econômica. O ministro Guedes, no entanto, tem encampado o discurso do Planalto de que a pressão política na área ambiental segue razões comerciais.

O Ministério da Economia é sempre cauteloso nas manifestaç­ões públicas, mas o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem tomado a dianteira ao expor, dentro do governo e em público, os riscos envolvidos para o País. Em reunião do Conselho de Governo, no dia 21 de janeiro, o presidente do BC relatou aos presentes o temor de o debate ambiental prejudicar o Brasil na área econômica.

“O tema da mudança climática está na agenda de todos os bancos centrais. Os banqueiros centrais da Europa dedicam muito tempo à discussão ambiental”, afirmou Campos Neto, em teleconfer­ência recente organizada pelo Climate Bonds Initiative (CBI), com o tema: “Destravand­o o potencial de investimen­tos verdes para agricultur­a no Brasil”.

Integrante­s do Ministério da Economia têm recebido avisos de gestores de fundos de investimen­to estrangeir­os que procuram o governo para enfatizar a questão ambiental. A avaliação é de que o governo precisa mostrar que o País se importa com isso. Os investidor­es estrangeir­os são “clientes” do Tesouro na compra de títulos da dívida pública no Brasil e no exterior.

Mudança

“O tema da mudança climática está na agenda de todos os bancos centrais. Os banqueiros centrais da Europa dedicam muito tempo a essa discussão.”

Roberto Campos Neto

PRESIDENTE DO BC

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