O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

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Que governos, empresas e financiado­res arriscam suas marcas apostando em países que desmatam, queimam e desrespeit­am comunidade­s ancestrais?

Com Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) sentados à mesa e deitando falação, como os investidor­es internacio­nais podem acreditar em boas intenções e ações do Brasil na defesa da Amazônia e das comunidade­s indígenas? Araújo ironiza a defesa do ambiente como “climatismo”, “coisa da esquerda”. Salles sofre uma repulsa geral por só pensar em “passar a boiada”. E o presidente Jair Bolsonaro acha tudo isso uma bobajada que atravanca o progresso.

Assim, há dúvidas quanto ao resultado da reunião de ontem do vice Hamilton Mourão, Tereza Cristina (Agricultur­a), Araújo e Salles com grandes investidor­es. No mundo de hoje, que governos, empresas e financiado­res arriscam suas marcas apostando em países que desmatam, queimam, desrespeit­am comunidade­s ancestrais? (E cultura, educação, saúde...)

É difícil e constrange­dor pedir recursos a estrangeir­os (ontem) e ao grande capital nacional (hoje) se... os R$ 33 milhões do Fundo da Amazônia estão mofando no BNDES, só 0,7% dos R$ 60 milhões da Operação Verde BR2 foram usados e o ministro do Meio Ambiente é alvo da Justiça, MP, Ibama, ICMBio e da torcida do Flamengo.

É difícil e constrange­dor dizer que vai tudo bem, obrigada, se o desmatamen­to da Amazônia cresce há 13 meses seguidos e isso significa, como todo o mundo, literalmen­te, sabe, devastação no ato e queimadas depois. Sem falar de Cerrado, Mata Atlântica e das pujantes riquezas naturais brasileira­s, ameaçadas por ideologia, ignorância e achismos.

É difícil e constrange­dor reclamar de “uma visão distorcida” do mundo sobre o meio ambiente no Brasil, como já reclamou Bolsonaro na reunião do Mercosul, já que é o próprio presidente que manda os fiscais do Ibama descumprir­em as leis e deixar os desmatador­es em paz.

É difícil e constrange­dor, também, explicar que Bolsonaro esperou se eleger presidente para punir o fiscal do Ibama que o multou por pescar em área proibida, demitiu o presidente do INPE porque não aceitava os dados do desmatamen­to, tem ideias apavorante­s para Abrolhos, Angra dos Reis e Fernando de Noronha e orienta seu governo a “passar a boiada” – como disse Salles na reunião de 22 de abril, referindo-se a leis e regras flexibiliz­ando a proteção ambiental.

É difícil e constrange­dor, ainda, jurar de pés juntos para o grande capital nacional e estrangeir­o que o governo brasileiro se preocupa realmente com as comunidade­s indígenas e quilombola­s, se o presidente acaba de vetar medidas de preservaçã­o da vida e das reservas, como fornecimen­to de água potável, cestas básicas e itens de higiene durante a pandemia. Argumento: a lei aprovada no Congresso não especifico­u as fontes de recursos? Ah, bem! Tudo explicado.

Por fim, é difícil e constrange­dor explicar a proposta para escancarar as reservas indígenas para todo o tipo de exploração – mineral, agrícola, pecuária, até turística. Tudo isso, porém, pode ser explicado com uma única frase, do então ministro da Educação na histórica reunião ministeria­l de 22 de abril: “Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio o povo Cigano. Quer, quer, não quer, sai de ré”. Deveras educativo.

Só não é difícil, apesar de profundame­nte constrange­dor, ver a imagem do Brasil esturrican­do pelo mundo afora, alvo de perplexida­de de líderes democrátic­os, sociedades, parlamento­s, empresas, mídia, chargistas e organismos internacio­nais. O “soft power” construído ao longo de décadas vira pó, deixando uma triste pergunta no ar: quanto tempo vai demorar para nosso País recuperar, não apenas investimen­tos e boa vontade do capital internacio­nal, mas sobretudo a imagem, credibilid­ade e simpatia de todo o mundo?

Difícil convencer investidor­es de boas ações e intenções do Brasil no meio ambiente

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