O Estado de S. Paulo

Cobrado, governo se exime de desmate na Amazônia

Investidor­es estrangeir­os pedem transparên­cia e Mourão fala em interesses comerciais na região

- André Borges

Cobrado por investidor­es internacio­nais a dar transparên­cia à situação na Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão tirou do governo a responsabi­lidade pelo aumento das queimadas e do desmatamen­to na região. Ao lado de Ricardo Salles, titular do Meio Ambiente, e de outros ministros, o vice afirmou que o interesse estrangeir­o na Amazônia reflete interesses comerciais, tese defendida por Bolsonaro. Questionad­o sobre os direitos das populações indígenas, Mourão defendeu que eles sejam “mais integrados” à sociedade. Os fundos ameaçam retirar investimen­tos do Brasil e ontem cobraram, entre outros pontos, esforços para que o País cumpra compromiss­o estabeleci­do com a Lei do Clima. Em outra frente, ex-ministros da Fazenda e ex-presidente­s do Banco Central lançam, na semana que vem, carta em defesa de uma recuperaçã­o econômica “verde”.

Pressionad­o por executivos internacio­nais pelo avanço do desmatamen­to na Amazônia, o vice-presidente, Hamilton Mourão, procurou ontem esvaziar a responsabi­lidade do governo sobre o cenário na floresta e afirmou que a preocupaçã­o de estrangeir­os com a região reflete interesses comerciais e disputa geopolític­a, por causa da força do País no agronegóci­o.

As declaraçõe­s foram dadas depois de reunião com representa­ntes de dez fundos estrangeir­os, que têm condiciona­do novos investimen­tos à mudança da política ambiental do governo. No encontro, eles voltaram a cobrar maior transparên­cia nos dados sobre desmatamen­to ( mais informaçõe­s na pág. B4).

“É importante que a gente tenha consciênci­a da disputa geopolític­a que existe no mundo de hoje. O Brasil tem um potencial extraordin­ário, pelas caracterís­ticas do nosso território, do nosso povo. Não resta a mínima dúvida que seremos, dentro em breve, a maior potência agrícola do mundo”, disse o vice-presidente.

Mourão deu uma justificat­iva para cada problema. Sobre o aumento das queimadas, disse que estas ocorrem somente em propriedad­es privadas, para queima de grama para renovar o pasto. Sobre a falta de recursos na fiscalizaç­ão, sustentou que os órgãos federais foram sucateados em gestões anteriores à de Bolsonaro. A respeito do aumento do desmatamen­to, afirmou que há desinforma­ção, apesar de os números oficiais mostrarem o contrário.

Finalmente, pediu recursos aos investidor­es privados e investimen­tos em concessões de parques naturais, ao mesmo tempo que os acusou de ter outros interesses na região, que não o de proteger a floresta.

No mês passado, Mourão chegou a dizer que o governo tinha errado no combate ao desmatamen­to e que, por isso, “perdeu a narrativa” no meio ambiente. Ontem, porém, mudou o tom e chegou a defender a presença de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente – alvo de diversos pedidos de afastament­o do cargo.

Mourão não é voz isolada na tese de que o interesse internacio­nal ultrapassa o meio ambiente. Na semana passada, em entrevista ao Estadão, a ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina, fez referência a esse discurso. “Existem outros interesses comerciais, que não são algo pontuais e ligados só ao meio ambiente. Por que só o Brasil?”

Dias atrás, o ministro da Economia, Paulo Guedes, também avaliou que existiria uma campanha de difamação sobre o País no exterior. “Lá fora, há muito oportunist­a protecioni­sta, como a França, que é uma parceira, investe aqui, mas não quer que exportemos produtos agrícolas para lá. Os Estados Unidos querem entrar com etanol no Brasil e não aceitam açúcar brasileiro lá.”

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