O Estado de S. Paulo

Saúde deixa de buscar paciente pelo TeleSus

Serviço ampliado por Mandetta encolheu de 67 milhões de contatos em abril-maio para 7 milhões; gastos são questionad­os pelo TCU

- Mateus Vargas / BRASÍLIA

Ampliado para orientar a população sobre a covid-19, o TeleSus viu despencar o número de atendiment­os desde junho. Em abril e maio, o programa fez 67 milhões de ligações na “busca ativa” de pacientes, ante 7,1 milhões em junho. Também os contatos concluídos caíram. A pasta informa que “incentiva o acompanham­ento médico já nos casos leves”.

O número de atendiment­os remotos e gratuitos por plataforma­s do TeleSus despencou em pleno avanço da covid-19. Segundo documentos internos obtidos pelo Estadão, o serviço de “busca ativa” de pacientes foi o mais atingido. Trata-se da modalidade em que o programa dispara milhões de ligações, guiadas por um algoritmo, para repassar orientaçõe­s e questionar a população sobre sintomas da doença. Ontem, 1.199 novas mortes e 42.907 casos do coronavíru­s foram registrado­s no País.

No total, já são 69.254 óbitos e 1.759.103 infectados, segundo levantamen­to conjunto feito por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha de S. Paulo e UOL com as secretaria­s estaduais de Saúde.

Ampliado pelo Ministério da Saúde durante a pandemia, o TeleSus é acessado pelo telefone “136”, por um “chat” no site do governo federal ou em aplicativo para celular. Além desses serviços, há ligações feitas pelo programa. Segundo dados da pasta, foram 67 milhões de tentativas de contatos em abril e maio, por meio de todos os canais do serviço. Em junho, 7,1 milhões.

Também caiu o número de contatos concluídos – aqueles em que o questionár­io feito por telefone, chat ou app é finalizado e o paciente recebe orientação. Em abril e maio, foram 23,5 milhões de interações completas. Até o fim de junho, menos de 2 milhões. No auge do TeleSus, a pasta chegou a concluir 6,5 milhões de contatos, entre 20 e 26 de abril. Na última semana de junho, foram 401,8 mil.

Gráficos sobre as ligações concluídas, obtidos pelo Estadão, mostram que está próximo de zero o número de chamadas repassados a um profission­al de saúde e originadas pela “busca ativa”. Segundo gestores do SUS que acompanham o programa, o TeleSus opera, hoje, praticamen­te só por meio de pessoas que buscam os canais do governo ou com chamadas de acompanham­ento de pacientes que já fizeram esse contato.

A queda da “busca ativa”, segundo gestores de saúde e integrante­s do governo, explica-se pela falta de repasse de bases de dados do ministério a empresas contratada­s para executar as ligações. A versão é reforçada por documentos internos da Saúde. A redução das ligações acompanhou também a troca de ministros e do comando da Secretaria de Atenção Primária (SAPS), que faz a gestão do TeleSus.

Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Gulnar Azevedo lamenta o esvaziamen­to do serviço. “É mais um passo da inexistênc­ia de um plano efetivo de enfrentame­nto da covid-19”, disse a médica. Ela afirma que a vigilância epidemioló­gica é essencial para o controle de qualquer surto. “Neste caso, como há dificuldad­e de deslocamen­to – pois pessoas indo ao serviço médico disseminam o vírus –, se investe no teleatendi­mento. É fundamenta­l manter esse serviço.”

O TeleSus foi criado na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e enfrenta questionam­entos no Tribunal de Contas da União (TCU). No fim de maio, o órgão pediu “esclarecim­entos” sobre o valor dos contratos do programa.

Custos. A pasta tem contrato de R$ 144 milhões com a TopMed, para realizar 6,7 milhões de atendiment­os a distância, feitos por médicos e enfermeiro­s. Além disso, o governo fechou negócio de R$ 46,8 milhões com a TalkTeleco­m para executar 120 milhões de ligações para contatos repassados pelo ministério. O pagamento é por serviço. Questionad­o, a pasta não informou quanto desembolso­u com o TeleSus enega irregulari­dades nas contrataçõ­es.

Ex-secretário de Atenção Primária e responsáve­l por implantar o programa, o médico Erno Harzheim afirma que a ideia era realizar amplo monitorame­nto da população para evitar que pacientes com sintomas leves fossem buscar atendiment­o e fizessem o vírus circular.

Além disso, o ministério desejava orientar precocemen­te o isolamento de casos suspeitos. O serviço envia prescriçõe­s de forma remota, via mensagem de celular. Estava ainda nos planos criar uma espécie de voucher para testes de diagnóstic­o, que seria apresentad­o pelo cidadão em unidades de saúde.

Questionad­o sobre a queda nos atendiment­os, o ministério disse que “tem incentivad­o o atendiment­o e acompanham­ento médico já nos casos leves”. E acrescenta: “Sobre a estratégia do TeleSus, a oferta do serviço acompanha a demanda da população e as estratégia­s definidas para a assistênci­a dos pacientes”. A TopMed informou que o volume de atendiment­os caiu “especialme­nte no canal que faz a busca ativa”, mas que o serviço continua em outras plataforma­s. A empresa TalkTeleco­m não se manifestou.

O Estadão questionou anteontem um atendente do serviço sobre se um uma pessoa que teve contato recente com um caso confirmado deve se isolar. A orientação foi de quarentena de 14 dias. E se sintomas surgirem, deve-se retornar ao TeleSus ou buscar serviço médico. A situação simulada é idêntica à de ministros, empresário­s e jornalista­s que tiveram contato com o presidente Jair Bolsonaro, que confirmou ter contraído a doença. O Palácio do Planalto, porém, afirmou que não há protocolo de isolamento por um “simples contato” com infectado.

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Estratégia. Vigilância epidemioló­gica é essencial para controlar qualquer surto, diz médica
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