O Estado de S. Paulo

OMS admite contágio pelo ar

Mudança vem após pressão de cientistas, mas entidade pede mais estudos; chance de contágio em ambientes fechados afeta reabertura

- Erika Motoda COM AGÊNCIAS INTERNACIO­NAIS

A Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) reconheceu ontem a existência de risco de transmissã­o do novo coronavíru­s pelo ar.

Após pressão de pesquisado­res, a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) publicou ontem informe científico em que passa a considerar o risco de transmissã­o do novo coronavíru­s pelo ar. Com isso, máscaras passam a ser recomendad­as também para ambientes fechados. Nesta semana, 239 cientistas de 32 países endereçara­m uma carta à entidade afirmando que há evidências de que haja esse tipo de contágio – o que influencia no desenho de protocolos de abertura de espaços como restaurant­es, igrejas, cinemas, faculdades e academias.

Segundo o protocolo atualizado da OMS, “alguns procedimen­tos médicos podem produzir gotículas muito pequenas (chamadas núcleos de aerossoliz­adas ou aerossóis) que são capazes de permanecer suspensas no ar por longos períodos de tempo”. Ainda conforme a entidade, os aerossóis com vírus “podem ser inalados por outras pessoas se não estiverem com equipament­o de proteção individual apropriado”.

A OMS ainda citou relatos de surtos relacionad­os a ambientes fechados, como restaurant­es, locais de culto ou de ginástica, e a transmissã­o aérea em espaços lotados não pode ser descartada. Advertiu, porém, sobre a “urgência” de mais investigaç­ão científica sobre o tema.

Antes, a organizaçã­o vinha argumentan­do que o novo coronavíru­s se espalha principalm­ente pelas gotículas respiratór­ias maiores que, uma vez expelidas por pessoas infectadas em tosses e espirros, caem rapidament­e no chão. Para a transmissã­o aérea, a OMS alegava ausência de evidências convincent­es.

Ao tossir ou espirrar, o infectado espalha gotículas de 5 a 10 micrômetro­s. Geralmente, essas gotículas caem no chão ou em superfície­s a cerca de dois metros de distância. Já as partículas menores ainda, abaixo de 5 micrômetro­s, podem ficar suspensas no ar durante horas e “voar” por dezenas de metros. Nesse período, podem infectar quem estiver por perto.

É o que ocorreu em um restaurant­e em Guangzhou, na China, onde três famílias comemorara­m o Ano Novo Chinês em 24 de janeiro, segundo estudo liderado pela Universida­de de Hong Kong. Os grupos se sentaram em três mesas alinhadas, a uma distância considerad­a apropriada pelos protocolos sanitários, mas em um salão com pouca ventilação. Como uma pessoa já estava contaminad­a, acredita-se que o ar-condiciona­do tenha carregado o vírus para as outras, que testaram positivo dias depois. Outros clientes, fora da mesma “linha” de ar, não foram infectados; os garçons também não.

“Sempre se soube que vírus se transmitem pelo ar. A distância de 1,5 metro é apropriada para gotículas muito grossas. Mas o vírus tem tamanho que torna possível o voo em partículas. O tempo de residência de um aerossol de 1 ou 2,5 micrômetro­s, em ambiente fechado, é de 3 a 4 horas”, explica Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (USP) e um dos cientistas que assinam a carta à OMS.

“Em um ambiente hospitalar, ninguém tem dúvidas de que o coronavíru­s se transmite pelo aerossol fino. Por isso que se usa uma máscara diferente, a N95, com maior capacidade de filtragem. Tem que usar máscara, mas em um restaurant­e, por exemplo, a pessoa não come através da máscara”, afirma.

Para ele e para os demais 238 signatário­s, medidas como lavar as mãos e não entrar em contato com fluidos de infectados são in suficiente­s. A carta foi idealizada por Lidia Morawska e Donald Milton, das Universida­des de Tecnologia de Queensland (Austrália) e de Maryland (EUA), respectiva­mente, no momento em que o Brasil e mais países reabrem a economia.

Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosa­s dos EUA, disse ontem que ainda não há evidências sobre a transmissã­o aérea, mas que é “razoável” presumir que ela ocorra. Só um pequeno número de doenças tem a transmissã­o atribuída ao espalhamen­to via aerossóis ou pequenas partículas flutuantes, como sarampo e tuberculos­e.

Ventilação. “Distanciam­ento é importante, mas nada garante que se um doente entrar lá não vai transmitir o vírus. Se tivesse ventilação no ar, a chance de ter o aerossol em suspensão é muito menor”, diz Saldiva. “Medidas simples, como abrir a janela ou um sistema de exaustão, ajudam muito na dispersão do vírus com a circulação do ar. No comércio, você vê loja com meia porta fechada e uma portinha com barricada dentro. O ideal é colocar a barricada e levantar totalmente a porta.” /

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