O Estado de S. Paulo

É POSSÍVEL ALMOÇAR FORA SEM MEDO?

Os restaurant­es reabriram, mas dá para se sentir seguro neles? Contamos a experiênci­a

- Danielle Nagase Renata Mesquita

Conferimos regras contra a covid dos restaurant­es.

“Hoje é o primeiro dia e está bem estranho”, emendou o garçom do Barbacoa ao informar que o famoso (e caprichado) bufê de saladas da churrascar­ia – em que o cliente se servia à vontade de folhas, palmito, queijos, carpaccio de polvo, salmão defumado – está desativado até segunda ordem. Algumas das opções que costumavam figurar na bancada saem, a pedido, diretament­e da cozinha, como o mix de folhas com palmito picadinho, mas não têm o mesmo brilho. “Os clientes entendem que é por conta da pandemia.” As carnes seguem circulando pelo salão – picanha, fraldinha, assado de tira, carré de cordeiro. Nem tudo foi perdido.

Na segunda-feira (6), primeiro dia de reabertura para restaurant­es e bares da capital paulista, o salão do Barbacoa estava com 100% de sua nova capacidade (dos 250 lugares de outrora, restam agora 100) preenchida no horário do almoço. Mesas espaçadas, totem de álcool em gel na entrada, equipe mascarada e equipada com viseira de acrílico. Logo que se entra: “Posso medir sua temperatur­a?”. Não é obrigatóri­o?, rebatemos. “Sim, é. Perguntamo­s antes para não haver confusão”, relata a hostess. E quem não aceita medir? “Daí não entra.”

Até que sejam encaminhad­os até a mesa, todos parecem seguir as regras à risca – a máscara só deve ser retirada enquanto o cliente está sentado. Na saída, porém, a coisa parece mudar de figura: na euforia de um almoço fora de casa que há tempos não se concretiza­va, alguns caminham até a porta sem máscara, transitand­o entre as mesas enquanto acabam de colocar o papo em dia. O Barbacoa afirma que a equipe está alerta e instruída a orientar o cliente quando necessário, oferecendo, inclusive, máscaras descartáve­is para que ele circule sempre com a devida proteção.

Tira e põe a máscara. Uma vez sentado, onde acomodar a máscara de maneira segura? Na mesa? Jamais. No colo, sob o risco de derrubá-la ao se levantar? Dentro da bolsa, juntamente com outros objetos potencialm­ente contaminad­os? No Astor, tradiciona­l bar da Vila Madalena, o garçom entrega gentilment­e um saquinho de papel pardo para que você guarde seu novo item de vestimenta obrigatóri­o. O cardápio, reduzido, pode ser consultado no seu próprio smartphone, via QR Code. As mesas, seguindo o protocolo firmado pela Prefeitura de São Paulo, acomodam grupos de até seis pessoas, no máximo. “A gente pode dividir a sobremesa?”, pergunta uma cliente assim que a mousse de chocolate, bem generosa, foi servida. “Não é o ideal, mas isso é com vocês”, recebeu em resposta. “Traz cinco colheres, então.”

Enquanto isso, nós, a dois metros de distância, na mesa ao lado, ainda estávamos na metade das calderetas de chope, quando o garçom colocou a conta sobre a mesa. Faltavam alguns minutos para o relógio marcar 17h: era hora de fechar as portas.

Atrás do Astor, outras casas da Cia.Tradiciona­l de Comérciore­tomaram o serviço no salão nesta semana: Pirajá (Al. Santos e Faria Lima) e Pirajá Prainha, Lanchonete da Cidade (Pinheiros, Jardins e Moema), Bráz Elettrica (Pinheiros e Augusta), Ici Brasserie e Bráz Trattoria. “Estamos nos adequando desde o final de abril para a reabertura gradativa das casas,segundo um cronograma”, conta Vinícius Casella Abramides, diretor-geral do grupo. As pizzarias Bráz e Quintal do Bráz não devem abrir tão cedo. “Com a limitação do horário, ficou inviável.” Pelo mesmo motivo, por ora, o bar Original só abre de sexta a domingo.

A redução do horário para seis horas diárias, restrito até as 17h, como estabelece o protocolo, aliás, é motivo de descontent­amento entre chefs e donos de restaurant­es. Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurant­es (Abrasel), no início desta semana, mostra que o limite de funcioname­nto fez com que 59% dos estabeleci­mentos continuass­em fechados. Entre os bares, o índice chega a 80%.

Entre os que optaram abrir as portas esta semana, alguns tiveram que se adaptar para adotar o novo horário de funcioname­nto. Estabeleci­mentos que operavam apenas no jantar, com cardápios mais elaborados, viram-se obrigados a repensar seu modelo. No Ema, da chef Renata Vanzetto, o menu-degustação deu lugar a pedidas com mais cara de almoço.

No Charco, a história se repete. Comandada pelo casal de gaúchos Tuca Mezzomo e Nathalia Gonçalves, a casa reabriu as portas na quinta-feira (9). No contato por telefone, a equipe informa as condições para receber os clientes, “somente com reserva”, além de passar todo um script de boas práticas enquanto o cliente estiver no restaurant­e. A atendente também solicita um e-mail de contato para que o cliente seja informado sobre qualquer “episódio” na casa. Clientes, por sua vez, são orientados a utilizar o mesmo canal para avisar ao restaurant­e acaso algum caso de covid-19 seja confirmado no seu entorno após a visita. “Pedimos que nos informe o quanto antes.”

Já sentadas, o garçom, com luvas descartáve­is, entrega os cardápios plastifica­dos, monta a mesa, até então “em branco”, com talheres de prata, guardanapo­s de papel e taças. “Aceitam o couvert? Temos pão da casa fresquinho

(extremamen­te cheiroso) com manteiga fermentada.” Seguido de: “Querem recomendaç­ões? Nosso purê de milho tostado com cebolas assadas é imperdível”.

Na terça (7), o Sushi Lika, na Liberdade, estava com peixes, ovas e frutos do mar porcionado­s e prontos para compor sushis, sashimis e tirashis. Foram poucos os saudosos que encararam sair de casa para comer as iguarias japonesas cruas. Quem se aventurou por ali teve temperatur­a tirada na porta e acesso ao menu via QR Code. Enquanto em restaurant­es os saleiros foram substituíd­os por versões individuai­s em sachês, no Lika o shoyu não fica mais ao alcance do cliente. É a própria garçonete quem faz a reposição. “Shoyu nacional ou japonês?”, pergunta.

“Vim no último dia (antes da

quarentena) e voltei no primeiro”, contou uma cliente enquanto ocupava um dos poucos lugares que agora restam em frente ao sushiman. Intercalad­as, algumas banquetas estão sinalizada­s com o aviso “não usar”, escrito à mão, num papel sulfite improvisad­o. Já no Consulado da Bahia, a solução, mais simpática, foi colocar namoradeir­as nas mesas onde não é permitido se sentar.

Nada será como antes. A permissão para reabertura do setor trouxe à tona o anúncio do fechamento de casas renomadas. Estão nessa lista o francês Marcel, que neste ano completou 65 anos, o Clandestin­o, da chef Bel Coelho, e a padaria Deli Garage.

Mas há quem se adaptou para continuar. O Tappo, que em tempos normais comportava 28 pessoas bem juntinhas (considerad­o um charme até então) no seu estreito salão, precisou mudar de endereço. Seguir as normas de apenas 40% da capacidade e distanciam­ento de dois metros entre as mesas faria com que a reabertura fosse inviável no antigo endereço. Por isso, em breve, ele vai ocupar o andar de cima do Ici Bistrô, que também reabriu esta semana. A cozinha, agora, tem dupla nacionalid­ade: prepara tanto os pratos de bistrô como as massas do Tappo.

Afinal, é seguro frequentar restaurant­es novamente? O ideal é continuar dentro de casa. Mas eles estão, sim, fazendo a sua parte. Dá medo? Dá. Mas foi gostoso reviver a experiênci­a. Cabe aos que querem matar a saudade seguir e respeitar os protocolos, os funcionári­os e os demais clientes.

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Criativida­de. Consulado da Bahia usou namoradeir­as para marcar o distanciam­ento mínimo de 2 metros entre as mesas
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FELIPE RAU/ESTADÃO Mudança. Charco passou a abrir no almoço, com reserva

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