O Estado de S. Paulo

O Enem e a disputa pelo MEC

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Depois de uma longa queda de braço sobre as novas datas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) entre o Ministério da Educação (MEC), durante a gestão do ministro Abraham Weintraub, de um lado, e os secretário­s estaduais de Educação e os reitores das universida­des federais, de outro, as partes finalmente se entenderam e acertaram que as provas em versão impressa serão realizadas nos dias 17 e 24 de janeiro do próximo ano e as provas em versão digital serão aplicadas nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro.

“Buscamos uma solução técnica e perfeita para todos”, disse o ministro interino da Educação, Antonio Vogel, saudando o restabelec­imento de um diálogo construtiv­o entre o governo federal e os governos estaduais e municipais, que são responsáve­is por 80% do total de alunos do ensino básico. Inicialmen­te, as provas do Enem estavam previstas para novembro de 2020. Tiveram de ser adiadas por causa da pandemia de covid-19, que obrigou as escolas públicas e privadas de todo o País a suspendere­m atividades presenciai­s para evitar a propagação do vírus. Embora o adiamento fosse a medida mais sensata, Weintraub resistiu e só mudou de posição depois de ter sofrido uma desmoraliz­ante derrota política.

Por causa do adiamento, as notas do Enem – que são usadas no processo seletivo das universida­des federais – serão divulgadas somente no dia 29 de março, o que poderá retardar o início das atividades letivas dos alunos universitá­rios do 1.º ano de graduação em 2021. Para tentar minimizar os problemas causados pelo adiamento do Enem, no qual estão inscritos 5,8 milhões de estudantes, as autoridade­s educaciona­is estão estudando a possibilid­ade de realizar mais um Sistema de Seleção Unificada (Sisu). A ideia é evitar problemas em cadeia em todo o ensino superior, explica Vogel. Isto porque as notas do Enem servem de critério para ingressar em universida­de pública, pelo Sisu. Quem não passar tem a possibilid­ade de conseguir bolsas pelo ProUni e cursar uma universida­de privada. E quem não obtiver essas bolsas ainda pode tentar o Programa de Financiame­nto Estudantil (Fies).

Apesar de o MEC e o Inep terem conseguido destravar o impasse da realização do Enem, os demais problemas herdados pela inépcia de Weintraub e pela obsessão do governo de ver o ensino apenas como um campo de guerra ideológica permanecem sem solução à vista. Isso ficou explicitad­o no dia anterior ao do anúncio das novas datas da prova, quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) divulgou um documento com orientaçõe­s para a volta às aulas presenciai­s em todo o País. Entre outras medidas, o CNE propõe que as escolas evitem reprovar alunos em 2020, para conter tanto a evasão como a retenção escol arem 2021, e que o início das atividades letivas no próximo ano seja antecipado. São medidas sensatas, endossadas pelos meios acadêmicos. Mas, para que possam ser implementa­das, elas dependem da homologaçã­o de um Ministério que está acéfalo há mais de três semanas. E, por causa dessa acefalia, o Executivo também enfrentará problemas para aprovar o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvi­mento da Educação Básica (Fundeb), que tem de ser votado pelo Congresso até dezembro, sob o risco de travar o funcioname­nto desse nível de ensino em 2021.

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro tem de se manter em confinamen­to por estar co maco vid-19, seu entorno familiar, a ala ideológica do governo, ministros militares, grupos evangélico­s e líderes do Centrão se digladiam, numa espécie de vale tudo para tentar impor o novo chefe do MEC. Além disso, desconheci­dos candidatos ao cargo – alguns com currículo pífio e outros se apresentan­do como conservado­res e religiosos para cortejar o chefe do Executivo – buscam apoio, plantando notas na imprensa ou desfilando por Brasília.

Esse desfile vem tornando cada vez mais patética a sucessão numa das mais estratégic­as áreas da administra­ção pública, pondo em risco a formação das novas gerações. É assim, infelizmen­te, que funciona o governo Bolsonaro.

Resolvida a questão do exame, demais áreas da educação ainda estão paralisada­s

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