O Estado de S. Paulo

Itamaraty desmobiliz­a frente ambiental

Ministério ‘rebaixou’ tema em sua estrutura interna e focou na luta contra ‘ambientali­smo ideológico’; País perdeu recursos e importânci­a no cenário mundial

- Felipe Frazão

Ministério das Relações Exteriores costumava usar preservaçã­o ambiental como trunfo para atrair recursos e influencia­r decisões em fóruns econômicos internacio­nais, mas mudou política.

O Itamaraty desmobiliz­ou a frente diplomátic­a brasileira que usava a preservaçã­o ambiental como trunfo para atrair recursos e influencia­r decisões em fóruns econômicos internacio­nais. Numa sequência de mudanças políticas, o governo Jair Bolsonaro desistiu de sediar a Conferênci­a do Clima (COP) 25, no ano passado, e rebaixou o tema na estrutura interna do Itamaraty. Agora, é alvo de ameaças de perda de investimen­tos externos e bloqueio a exportaçõe­s, além da desconfian­ça de seu real empenho em levar adiante negociaçõe­s preservaci­onistas.

Logo ao assumir o cargo, o chanceler Ernesto Araújo promoveu o que chamou de “agenda de luta contra o ambientali­smo ideológico”. Reduziu a equipe dedicada a temas ambientais e rebaixou a chefia do setor na estrutura do ministério. A antiga Subsecreta­ria Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia foi extinta. O órgão tinha um Departamen­to de Sustentabi­lidade Ambiental e quatro divisões dedicadas a Mudança do Clima, Meio Ambiente, Desenvolvi­mento Sustentáve­l e Mar, Antártida e Espaço. Ao todo, eram 10 diplomatas em cargos de confiança. No lugar, Araújo criou o Departamen­to de Meio Ambiente, sem o mesmo poder. Agora são seis diplomatas em funções comissiona­das.

Além da mudança organizaci­onal no Itamaraty, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, trocou em março um nome com experiênci­a diplomátic­a em organismos das Nações Unidas, Roberto Castelo Branco, pelo ruralista Eduardo Lunardelli Novaes, no posto de secretário das Relações Internacio­nais da pasta. A diretoria que cuida de Temas Globais e Organismos Multilater­ais segue vaga.

Sem o poder econômico de países como Estados Unidos e China, o Brasil fazia do fato de concentrar a maior biodiversi­dade do mundo, com 20% da fauna e flora, uma arma de seu soft power (termo usado para descrever a capacidade d e um país de influencia­r os outros por meio de cultura ou ideologia). Liderava negociaçõe­s multilater­ais e formulava mecanismos para atrair verbas de países desenvolvi­dos – parte do dinheiro de livre alocação.

A delegação brasileira era consultada e seguida nas principais decisões globais por países em desenvolvi­mento, como vizinhos sul-americanos e nações africanas. A perda desse poderio ocorre em paralelo à alta no desmatamen­to, considerad­o no exterior como principal problema ambiental brasileiro.

A mudança na estrutura do Itamaraty é criticada pelo embaixador Everton Vieira Vargas (mais informaçõe­s nesta página). Em 43 anos de carreira, Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira. Teve participaç­ão direta nas tratativas para sediar a ECO-92, conferênci­a histórica que ajudou a colocar o Brasil entre os protagonis­tas das discussões ambientais, no momento em que o País era pressionad­o pelo assassinat­o do líder seringueir­o Chico Mendes, em 1988. Foi embaixador em Berlim, Buenos Aires e Bruxelas.

Vargas tinha voltado a Brasília para comandar a Subsecreta­ria de Meio Ambiente, mas acabou ficando sem função na gestão de Araújo. Foi cedido para assessorar o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que faz oposição a Bolsonaro. “A atual administra­ção do Itamaraty não gosta muito de gente experiente e fiquei a ver navios”, disse o diplomata.

O embaixador aposentado Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, considera que o Brasil sofreu uma “perda total” de protagonis­mo na arena ambiental. “Até o governo passado, o Brasil era um dos players principais, claro que não no mesmo nível dos Estados Unidos e da China”, afirmou. “O Brasil se anulou internacio­nalmente, não tem mais nada a dizer.” Procurado, o Itamaraty não se manifestou.

Colômbia. No vácuo deixado pelo Brasil, a Colômbia se movimenta. O segundo país mais biodiverso do mundo assumiu um papel de articulaçã­o continenta­l, quando o presidente Iván Duque promoveu um encontro com líderes de países vizinhos em Letícia, principal cidade da amazônia colombiana. Foi no auge das queimadas no Brasil, na Bolívia e no Paraguai.

Com apoio da Alemanha, a Colômbia sediou ainda o Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, e está envolvida na próxima COP 15 de Biodiversi­dade. Também recebeu US$ 360 milhões de países como Alemanha, Noruega, e Reino Unido – os dois primeiros financiava­m o Fundo Amazônia e suspendera­m repasses por divergênci­as com Bolsonaro sobre a gestão dos recursos.

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SANDRO PEREIRA/FOTOARENA Fogo. Área queimada em Lábrea (AM), no sul do Amazonas; desmatamen­tos bateram recorde no governo Jair Bolsonaro

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