O Estado de S. Paulo

O agro é uma riqueza de todos e não tem partido

- ✽ Roberto Brant ✽ PRESIDENTE DO INSTITUTO CNA

Arevolução da agricultur­a e da pecuária brasileira­s foi resultado de uma feliz conjunção de políticas públicas e de iniciativa privada. O Estado brasileiro ofereceu a privilegia­da qualidade das universida­des rurais, o investimen­to público em pesquisa tecnológic­a, o sistema de crédito rural e um ambiente institucio­nal que garantia a propriedad­e privada e a liberdade. O setor privado ofereceu uma nova geração de empreended­ores dispostos ao risco e à inovação.

O início da nova agricultur­a foi obra do governo Geisel, que enfrentou os mitos em que se baseava então o pensamento dos políticos ditos progressis­tas. Depois dele, em grau maior ou menor, todos os sucessivos governos deram continuida­de ao apoio estatal, tornando claro que o agro brasileiro não tem origem nem cor política, é patrimônio de todos os brasileiro­s.

O comércio exterior tornou-se elemento essencial do agro brasileiro. Nossa grande presença no comércio internacio­nal é recente e tomou corpo já neste século. No início a expansão foi muito forte, passou de US$ 20 bilhões no ano 2000 para US$ 95 bilhões em 2011. A partir daí nossas exportaçõe­s se estabiliza­ram por mais dez anos nesse patamar. No futuro os avanços serão mais difíceis, requerendo um esforço conjugado de produtores e governo.

Os efeitos da pandemia nas economias do mundo nos levam a prever um futuro próximo de desglobali­zação e de protecioni­smo, o que significa dificuldad­es adicionais para o cresciment­o das nossas vendas externas. Para ampliar ou mesmo apenas manter nossos diversos mercados o agro brasileiro está agora também dependente das atitudes e do discurso do governo brasileiro. Dois pontos em especial têm sido causa de preocupaçã­o. Um diz respeito à imagem que se formou na opinião pública internacio­nal de que o Brasil tem políticas hostis à proteção do meio ambiente, particular­mente da Floresta Amazônica.

Parte dessa percepção tem raízes em interesses comerciais e na ação de ativistas políticos, notadament­e na Europa e nos Estados Unidos. Mas parte importante deve-se a fatos que são reais. É fato que ações ilegais vêm provocando queimadas e desmatamen­to na Amazônia numa escala importante há bastante tempo, conforme dados de nossas próprias entidades oficiais. Os esforços de sucessivos governos para deter essas ações não têm sido suficiente­s. É uma realidade que, graças à tecnologia dos satélites, é visível a todo o mundo e não podemos ocultar.

Setores do atual governo adotaram uma retórica defensiva e, às vezes, negacionis­ta, que dá munição às críticas que sofremos. Mas ignorar que a preocupaçã­o ambiental é hoje um sentimento autêntico de milhões de pessoas em todo o mundo e atribuí-la tão somente a posições ideológica­s é estar desconecta­do da realidade.

O agro brasileiro não é culpado por essas transgress­ões ambientais. Se, ao lado de madeireiro­s clandestin­os, de garimpeiro­s ilegais e de aventureir­os de toda sorte, há uma ínfima minoria de produtores rurais associados à predação da Amazônia, eles não merecem nossa complacênc­ia. Para todos eles o Estado tem o dever de estender sua mão pesada e entregá-los à Justiça. Essa é a única resposta efetiva. Sem ela a economia do agro vai pagar um preço alto.

Não podemos fugir também do efeito nas exportaçõe­s do agro de alguns movimentos de nossa atual política externa. O agro, por seus próprios meios, conquistou mercados em todo o mundo e não pode perdê-los para a política. Nosso maior mercado é a China, que absorve um terço de tudo o que exportamos. Ao promover um alinhament­o aberto com o atual governo americano, autoridade­s brasileira­s têm adotado uma posição de mal disfarçada hostilidad­e em relação ao nosso maior parceiro, que compra do Brasil cinco vezes mais do que os Estados Unidos. É fácil imaginar que esse comportame­nto pode trazer consequênc­ias.

O grupo de países islâmicos importa anualmente mais de US$ 16 bilhões do Brasil e é naturalmen­te sensível aos nossos gestos de intromissã­o no intratável conflito entre Israel e os palestinos, no qual nunca nos metemos, por estar fora da nossa agenda geopolític­a. O Irã, até recentemen­te o quinto destino de nossas exportaçõe­s agrícolas, foi hostilizad­o a ponto de o governo brasileiro impedir o abastecime­nto de seus navios que estavam aqui para embarcar cereais que haviam sido comprados e pagos. Hoje nossas exportaçõe­s caíram de US$ 2,2 bilhões para pouco mais de US$ 300 milhões.

A política externa brasileira sempre esteve alinhada aos nossos interesses econômicos. Ao mudar essa tradição, a atual política põe em risco posições duramente conquistad­as pelo setor privado, em troca de nada. Nenhum país sensato procede dessa maneira.

Cada produtor rural tem suas próprias opiniões políticas e não delega a ninguém essa representa­ção. Mas o agro, como estrutura produtiva, não pode ter partido ou opinião política, porque é obra conjunta do Estado e das pessoas. Seus interesses são vitais e permanente­s. E os governos, como sabemos, são efêmeros.

Seus interesses são vitais e permanente­s. Os governos, como sabemos, são efêmeros

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