O Estado de S. Paulo

Resposta inadmissív­el

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OSupremo Tribunal Federal (STF) deve deixar claro ao ministro da Justiça, André Mendonça, que a Constituiç­ão ainda vale no Brasil e, portanto, uma ordem emanada daquela Corte, não por acaso Suprema, deve ser cumprida.

Nada menos cabe no espantoso caso da recusa do ministro em dar explicaçõe­s claras ao STF, conforme demandado pela ministra Cármen Lúcia, sobre a existência de um documento sigiloso produzido por um órgão do Ministério da Justiça a respeito de 579 servidores públicos federais e estaduais, entre professore­s universitá­rios e policiais, identifica­dos como integrante­s de movimentos antifascis­tas.

O órgão em questão é a Seopi (Secretaria de Operações Integradas). Criada quando o Ministério da Justiça estava sob a chefia de Sérgio Moro, a Seopi tinha como atribuição integrar operações contra o crime organizado. Com a substituiç­ão de Moro por André Mendonça, o foco mudou, a julgar pela revelação de que produziu relatórios acerca de movimentos que se opõem ao presidente Jair Bolsonaro.

Todo governo tem seus órgãos de inteligênc­ia, e o sigilo é parte fundamenta­l de seu trabalho. Mas esse sigilo não significa, de nenhuma maneira, carta branca para que esses órgãos trabalhem à margem da lei. Numa república democrátic­a, nenhum Poder é absoluto – e, quando o Judiciário demanda explicaçõe­s do Executivo, este deve diligentem­ente prestá-las, sob pena não só de infringir o ordenament­o legal, como também de dar margem a que se suspeite que o sigilo na verdade se presta a esconder do escrutínio público ações arbitrária­s.

É por esse motivo que a ministra Cármen Lúcia foi enfática ao dizer que, se houve mesmo a produção do tal dossiê, esse fato “escancara comportame­nto incompatív­el com os mais basilares princípios democrátic­os do Estado de Direito e que põem em risco a rigorosa e intranspon­ível observânci­a dos preceitos fundamenta­is da Constituiç­ão da República”.

Em resposta, o ministro André Mendonça, por meio de uma nota da Seopi, informou à ministra que “não compete à Seopi produzir dossiê contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimen­tos de cunho inquisitor­ial”, mas diz haver diferença entre “investigaç­ão criminal e inteligênc­ia de segurança pública”. Como já dito, esse trabalho é perfeitame­nte legítimo, desde que preservado­s os parâmetros legais; como o Ministério da Justiça se recusou a dizer quais parâmetros seguiu, o Supremo e o País não têm condições de avaliar se a lei foi respeitada.

Para o Ministério da Justiça, o sigilo parece ser mais importante do que a lei. Disposto a dar uma aula à ministra Cármen Lúcia, o ministro André

Mendonça mandou dizer a ela que compartilh­ar dados secretos com o Supremo “constitui circunstân­cia apta a tisnar a reputação internacio­nal do País e impingir-lhe a pecha de ambiente inseguro para o trânsito de relatórios estratégic­os”, além de acarretar “desdobrame­ntos em incontávei­s frentes, a exemplo da elevação do risco país no setor econômico, da perda de parceiros no combate aos ilícitos transnacio­nais, do incremento da dificuldad­e de adesão à OCDE, da ruptura de canais diplomátic­os e da perda de protagonis­mo global”. Nada menos.

Se esses forem os efeitos causados pela revelação de documentos resguardad­os pelo sigilo demandado pelo ministro André Mendonça, pode-se desconfiar que a informação que o governo anda colhendo e o uso que pretende fazer dela coisa boa não é.

O que o ministro André Mendonça parece exigir, a julgar por sua atrevida resposta ao Supremo, é o direito à opacidade absoluta, caracterís­tica de um Estado policial. O ministro acredita que não tenha de dar satisfação ao Judiciário, apenas, quando muito, ao Congresso – que não faz controle de constituci­onalidade. Assim, além de não dar as explicaçõe­s exigidas, ainda se achou confortáve­l para recomendar ao Supremo que demonstre “parcimônia e sensibilid­ade”, além de exercer “autoconten­ção”, sob pena de, “a pretexto de apurar suposto desvio de finalidade, acabar por invadir esfera de competênci­a do Poder Legislativ­o”. Que essa ousadia do ministro encontre a resposta adequada.

Para o Ministério da Justiça, o sigilo parece ser mais importante do que a lei

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