Trump prefere o modelo chinês de internet
Na semana passada, o governo Trump anunciou sua intenção de trabalhar por um mundo da tecnologia bipolar, entre os Estados Unidos e a China. O governo já havia deixado claro que proibiria o aplicativo de vídeo chinês TikTok ou forçaria sua venda a uma companhia americana. Depois, anunciou uma ampla campanha, a Iniciativa de Rede Limpa, que busca proibir praticamente todos os produtos de tecnologia da informação chinesa – empresas de celulares, aplicativos, até cabos submarinos.
Em seu conjunto, estas medidas sugerem uma reviravolta de décadas de política americana. Em lugar de serem favoráveis a uma internet global de sistemas abertos e comunicações abertas, os EUA agora concebem uma internet restrita, isolada pelos governos.
Deixemos bem claro. As preocupações com a estratégia da tecnologia da China são legítimas. O país blindou o seu espaço cibernético como nenhum outro. O governo pode obrigar qualquer companhia chinesa a entregar informações. E se dedica à espionagem internacional para roubar a propriedade intelectual e dados de outros países – a bem da verdade, o governo americano também se dedica à espionagem.
A decisão do governo Trump parece arbitrária, impulsiva, tomada no calor do momento, às vésperas da eleição presidencial mais do que qualquer outra coisa. Ela não decorre de nenhuma descrição clara da política que embasará decisões futuras.
O temor de que o Partido Comunista Chinês possa disseminar os seus valores por meio de vídeos é bobo. E na medida em que o aplicativo pode ser usado para fins de espionagem, os EUA e os seus aliados precisam defender-se das intrusões vindas de todos os lados. Os russos, por exemplo, usaram os países estrangeiros e seus aplicativos para entrar nas redes de outros países. Proibir um aplicativo chinês não reduzirá significativamente tal ameaça.
A Iniciativa de Rede Limpa sequer finge defender princípios neutros para determinar que companhias serão proibidas de operar. Esta é uma estratégia explicitamente antichinesa, que será impossível implementar de maneira consistente. Por essa lógica as empresas e as embaixadas americanas em todo o mundo terão de deixar de usar as redes locais que dependem de equipamentos chineses. Como dezenas de países – muitos deles na África – usam o equipamentos Huawei, de que maneira os americanos poderão se comunicar? Por meio de pombos-correio?
O governo Trump reconheceu um perigo importante que emana da China. A maneira inteligente de eliminá-lo será estabelecendo regras que promovam sistemas abertos, inteligentes, e mobilizando uma coalizão de países com o mesmos propósitos para pressionar Pequim (e outros transgressores como Moscou). Eric Schmidt, que presidiu o Google e preside a Comissão de Segurança Nacional sobre Inteligência Artificial e o Conselho de Inovações da Defesa, me disse: “Os EUA são enormemente beneficiados pelo fato de terem uma grande economia global aberta, principalmente na área tecnológica. Isto significa maior integração, transações mais rápidas, mais inovação. Se tudo isto correr o risco de acabar, enfrentaremos consequências desconhecidas e potencialmente gigantescas”.
Já é possível perceber que a nova estratégia dos EUA produziu algum efeito. Países como Reino Unido e Índia adotam a ideia da soberania da internet. As empresas locais usam este conceito para tentar eliminar a concorrência.
O governo dos EUA se sente confortável com a aplicação de tarifas a produtos estrangeiros usando a justificativa fajuta da segurança nacional, escolhendo as companhias para favores especiais (muitas vezes concedidos pessoalmente pelo presidente) e exercendo um controle invasivo sobre a internet. Em vez de a China adotar o modelo americano, os Estados Unidos estão adotando o modelo chinês. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA