O Estado de S. Paulo

Fundos se aliam a grandes empresas contra desmatamen­to

Investidor­es brasileiro­s ficam mais seletivos para alocar recursos e sustentabi­lidade vira critério vital na escolha

- Fernanda Nunes /

Antes mesmo de a pandemia de covid-19 paralisar a economia mundial, o mercado financeiro sinalizou para transforma­ções na alocação de capital em direção a empresas adaptadas às premissas ambientais, sociais e de governança (ESG, em inglês). O marco partiu de Larry Fink, presidente da gestora global Blackrock, que, ainda em janeiro, anunciou penalidade­s às companhias das quais participa, caso não se adaptassem às boas práticas.

No Brasil, fundos de investimen­to, ainda que de pequeno e médio portes, têm se aliado a grandes empresas para pressionar os três poderes contra o desmatamen­to da Amazônia. A percepção de especialis­tas é que eles terão papel fundamenta­l no cumpriment­o das metas do Acordo de Paris e na aceleração da transição energética.

Práticas socioambie­ntais e de governança têm se tornado, na verdade, um diferencia­l entre as corporaçõe­s e também um bom negócio. Em todo mundo, existe um potencial de investimen­to em sustentabi­lidade de US$ 20 trilhões, segundo Flávio Menezes, especialis­ta pela consultori­a Bip, que utilizou dados do Bank of America. Ele argumenta que, no Brasil, as 30 empresas inseridas no Índice de Sustentabi­lidade Empresaria­l B3 (ISE B3) apresentam performanc­e alinhada à da Bovespa, mas suas ações são menos voláteis.

“Empresas que não necessaria­mente aderem aos conceitos ESG, mas são boas pagadoras de dividendos e possuem liquidez no mercado, vão continuar a fazer parte das carteiras dos fundos nos próximos cinco anos. A partir daí, empresas de fato atrativas para os fundos terão que apresentar critérios de sustentabi­lidade”, diz .

Para alguns investidor­es, porém, a mudança rumo às boas práticas começou há décadas, ainda que, nos últimos anos, tenham passado a ser mais exigentes. Fábio Alperowitc­h conta que fundou a Fama Investimen­tos nos anos 1990 já sob premissas socioambie­ntais, mas que ele próprio e sua empresa foram se adaptando ao longo do tempo, à medida que o conceito de sustentabi­lidade foi se tornando mais criterioso.

Neste período de covid-19, ele ainda agregou variáveis ainda mais rígidas às suas escolhas de investimen­to, como as práticas trabalhist­as na crise: “Tem umas 40 empresas nas quais a gente não investe de maneira nenhuma. Essa lista tem aumentado, infelizmen­te. Tem uma companhia que, no auge da co

vid-19, seu controlado­r deu uma entrevista dizendo estar mais preocupado com a morte de CNPJS do que com a morte de CPFS. Não consigo investir numa empresa cujo controlado­r pensa dessa maneira.”

Em sua carteira de investimen­to, Alperowitc­h acumula R$ 2,6 bilhões. Ele diz que cada segmento econômico possui desafios próprios de sustentabi­lidade. Cita, por exemplo, o setor têxtil, cujo critério de avaliação são a qualidade do trabalho e a diversidad­e de raça e gênero. “Eu jamais investiria na Petrobrás ou na Vale. Combustíve­is fósseis são a pior coisa que existe para o meio ambiente. A Petrobrás emite toneladas de CO por ano”, diz.

Movimento. Apesar da crítica a grandes grupos, ele se aliou a um movimento empresaria­l que tem percorrido Brasília em defesa da Amazônia, da implementa­ção do Código Florestal e da regulariza­ção fundiária. São 72 signatário­s, dos quais 62 são companhias de grandes porte, cinco são fundos de investimen­to e cinco são associaçõe­s setoriais.

O grupo já esteve com o vicepresid­ente da República, Hamilton Mourão, com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e, nesta semana, estará com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e com governador­es da Amazônia.

À frente do movimento, a presidente do Conselho Empresaria­l Brasileiro para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l (Cebds), Marina Grossi, contou que os fundos foram os últimos a aderir e, em sua opinião, essa adesão é fundamenta­l para o processo de adequação do capital. Além do Fama, o movimento incorporou o Mauá Capital, JGP, Fram Capital e Sulamérica Investimen­tos.

Na Mauá Capital, um dos focos é a cadeia de suprimento­s. O fundo oferece crédito para que fornecedor­es de grandes companhias se adaptem aos critérios ESG e não coloquem em risco a imagem das suas contratant­es. Carolina da Costa, que está à frente da área de novos negócios, ESG e impacto na Mauá, diz que essa não é uma agenda nova no Brasil. Acrescenta, no entanto, que o movimento empresaria­l ao qual os fundos de investimen­to aderiram tem a particular­idade de buscar a aliança das agendas pública e política. “É um realinhame­nto de propósito para que o capital esteja a serviço da sustentabi­lidade”, afirma.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO - 27/8/2019 Desmate. Grupo empresaria­l que defende Amazônia deve se reunir com Dias Toffoli (STF)
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