O Estado de S. Paulo

Guerra tecnológic­a entre EUA e China avança comtiktok

Norte-americanos já baniram do país Huawei e ZTE e pressionam para que países como o Brasil vetem a entrada da gigante do 5G

- Beatriz Bulla

A investida americana para banir a operação do aplicativo Tiktok é o novo capítulo da mudança do cenário nos Estados Unidos para as empresas chinesas, especialme­nte as de tecnologia. Durante o governo Trump, a relação de Washington com Pequim piorou quando o assunto é comércio, segurança nacional ou tecnologia, mas nos últimos meses o ambiente para empresas que tentam furar a linha de separação entre as duas potências se tornou especialme­nte hostil.

“As relações entre EUA e a China estão no pior momento dos últimos 40 anos”, afirma David Dollar, que foi emissário do Tesouro americano na China entre 2009 e 2013, e é integrante do centro de estudos John L. Thornton China Center no think tank (centro de p e n s a mento) Brookings Institute.

O uso da plataforma chinesa de vídeos curtos explodiu entre os adolescent­es americanos e foi definida pelo jornal New York Times como “a primeira história de sucesso verdadeira­mente global da internet chinesa”. A Bytedance, dona do Tiktok, tentou contornar a separação entre os dois países ao armazenar dados fora da China e contratar nomes americanos para gerir o aplicativo. Não foi suficiente. Os americanos argumentam que a China está engajada em uma campanha de espionagem internacio­nal para adquirir tecnologia que dê vantagem às empresas chinesas, e que aplicativo­s e redes de tecnologia ameaçam a segurança nacional.

Embate. “Os anúncios recentes sobre o ( bloqueio) do Tiktok e do Wechat são parte de uma tendência mais ampla que começou coma Huawei e a ZTE, mas demonstram uma ampliação do escopo para além apenas de preocupaçõ­es com segurança nacional para outras mais amplas sobre censura, vigilância e segurança de dados pessoais ”, afirma Mary Gallagher, diretora do Internatio­nal Institute na Universida­de de Michigan University e professora do Centro para Estudos Chineses da mesma instituiçã­o.

Washington adotou a campanha de força total contra agigante de telecomuni­cações Huawei, principal nome na corrida pelo oferecimen­to de tecnologia 5G. A empresa está banida nos EUA, assim como a ZTE, e os americanos fazem pressão para que países aliados, como o Brasil, não admitam a entrada da chinesa na rede de operação 5G. A Bytedance está sendo pressionad­a a vender uma fatia do aplicativo para a americana Microsoft para poder funcionar. O Wechat, de troca de mensagens chinês, também entrou na mira dos EUA.

Em parte, concordam David Dollar e Mary Gallagher, a motivação das restrições dos EUA decorre da frustração americana com práticas comerciais chinesas, especialme­nte com abarreira para entrada de empresas de redes sociais e tecnologia. Em março de 2016, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, anunciou sua chegada à China com uma foto na qual praticava corrida matinal na P raçada Paz Celestial da capital chinesa. “É estupendo voltara Pequim ”, escreveu o americano, em um esforço institucio­nal para tentara liberação pelo governo chinês da operação do Facebook. Desde 2009, a rede social de Zuckerberg está bloqueada na China, um país em que quase 1 bilhão de pessoas têm acessoa internet. Empresas como Facebook, Google e Twitter estão impedidas de operar no ambiente controlado da China.

O estremecim­ento das relações comerciais entre os dois países não está restrito aos problemas de reciprocid­ade. “Faz parte também da estratégia de campanha eleitoral doTrumpcul­p ara China pela propagação do vírus ea recessão”, afirma Dollar. Trump explora a rivalidade de Washington com Pequim como plataforma eleitoral. Em 2016, ele prometeu em campanha repactuara relação comercial com os chineses para dar vantagens e empregos aos americanos.

Xi Jingping, por sua vez, também usa abriga com os americanos para inflar o nacionalis­mo chinês. “Essas medidas sobre as empresas chinesas mais bem-sucedidas devem minar ainda mais o soft power dos EUA na China. É provável que afaste os consumidor­es da China e certamente não diminua o apoio ao Partido Comunista Chinês e ao governo chinês”, afirma Mary Gallagher.

“As ações recentes são ousadas e chamativas, mas têm efeitos mistos. O maior dano é provavelme­nte para a imagem das empresas de tecnologia chinesas, uma vez que os EUA as pintaram publicamen­te como não confiáveis”, afirma James Andrew Lewis, vice-presidente e diretor do programa de políticas de tecnologia do C enter for Strategic and Internatio­nal Studies, CSIS.

Equilibrar esforços é difícil devido à interdepen­dência das cadeias de produção dos dois países. A China é uma importante fornecedor­a para os EUA não só com insumos e produtos baratos, como também de tecnologia de qualidade avançada após anos de investimen­to maciço feito pelo governo chinês. Do outro lado, a China é um mercado relevante para empresas americanas, como a Apple.

Nesta semana, o Secretário de Estado americano, Mike Pompeo, anunciou um plano chamado “Clean Network”, que em português seria o equivalent­e a “Redes Limpas”, com orientaçõe­s para eliminar o que os EUA classifica­m como aplicativo­s não confiáveis. As medidas, que não são uma lei, têm etapas para evitar que empresas de tecnologia chinesas acessem informaçõe­s confidenci­ais dos americanos. Achancelar­ia chinesa afirma que os EUA tentam manter o monopólio em tecnologia eque o “Clean Network” era um “manual de bullying”.

O próximo passo do governo ame ri canoé apressão sobre companhias chinesas listadas na bolsa de valores do país. Uma iniciativa coordenada pelo Tesouro americano e pela SEC, o equivalent­e à Comissão de Valores Mobiliário­s, deve forçar companhias chinesas ase retirar do mercado de ações americano se não apresentar­em auditorias contábeis às autoridade­s do país. O sEU Anão têm acessoa documentos de autoria interna das firmas chinesas.

Bolsa. Os americanos afirmam que empresas já listadas em Bolsa terão de se adaptar ou se retirar do mercado de ações nos EUA até o início de 2022. Uma das empresas listada sé agigante de varejo chinesa Alibaba. Não há prazo, no entanto, para que a ameaça do Tesouro americano entre em vigor. “Isso não terá muita importânci­a prática, mas é um movimento simbólico para romper ainda mais os laços entre a China e os EUA. Podemos esperara continuida­de das medidas de separação, especialme­nte nas áreas de alta tecnologia”, afirma Dollar.

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SUSAN WALSH/AP Eleição. Estratégia da campanha do presidente Trump é culpar a China por vírus e crise
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