Câmbio e ações fazem os melhores fundos da crise
Retomada mais rápida fez de julho o melhor mês dos fundos em 2020, com captação positiva de R$ 63,7 bi
Depois de meses de turbulência no mercado financeiro, a indústria de fundos de investimentos esboça um movimento de recuperação. Relatório divulgado na semana passada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) concluiu que julho foi o melhor mês de 2020 para esses fundos, com captação líquida positiva de R$ 63,7 bilhões.
Para o diretor da associação, Pedro Rudge, essa alta é explicada por dois fatores. O primeiro é a visibilidade de uma retomada mais rápida: os dados sobre o impacto da pandemia na economia estão saindo melhores do que o mercado esperava, o que ajuda as pessoas a terem mais confiança. O segundo é a migração da poupança, que ainda tem um volume muito relevante, para os fundos, com a procura por produtos com rentabilidade maior.
No mesmo relatório, a Anbima apurou que, em termos de captação, os fundos de renda fixa e cambiais operaram no vermelho, com saída de R$ 22,2 bilhões e R$ 6,4 bilhões, respectivamente. Já multimercados (R$ 5,7 bilhões), previdência (R$ 1,2 bilhão) e ações (R$ 269,9 milhões) tiveram captação positiva. Esses dados são uma prévia da direção que a indústria deverá seguir nos próximos meses.
“No caso dos fundos cambiais e de renda fixa, houve um movimento de realização ( saída). O investidor prevê que já não há mais tanto horizonte de ganho no câmbio”, diz Rudge.
Ainda na renda fixa, como a taxa de juros está muito baixa, o investidor passou a buscar alternativas que possam oferecer retornos melhores, ainda que com risco maior. É esse mesmo fator que ajuda a explicar o crescimento das outras três classes de fundos.
A Economática elaborou com exclusividade para o E-INvestidor (plataforma de finanças pessoais e investimentos do Estadão) um levantamento dos fundos que se destacaram na crise, em cada uma dessas cinco categorias. Uma característica recorrente nos produtos que obtiveram melhores rendimentos é a exposição das carteiras a ações e câmbio.
“Saíram na frente os gestores que tiveram controle emocional mais forte. No auge da crise, eles seguraram posições na Bolsa, fazendo uma rotação de portfólio para identificar oportunidades de recuperação mais rápida”, comenta o analista de fundos Rodrigo Fontana, da Guide Investimentos. “Além disso, eles se defenderam com dólar e ouro, para sustentar uma relação risco-retorno mais atrativa.”
Vinícius Araújo, head de fundos de investimento da Easynvest, também destaca os fundos de ações que contêm em sua carteira BDRS (recibos de empresas americanas negociadas na Bolsa brasileira), como o Western Asset.
“Eles chamaram a atenção do investidor porque tiveram recuperação mais forte que a do Ibovespa. Quem não quer entrar diretamente na bolsa vai para esses fundos”, afirma.
Uma constatação inevitável é que o ambiente de juros cada vez mais baixos está transformando a indústria de fundos. Tanto investidores como gestores estão sendo forçados a buscar ativos de maior risco para defender a rentabilidade dos portfólios.
“Não dá para ter rendimento acima da inflação ficando com toda a carteira na renda fixa. Isso favoreceu bastante a migração de ativos mais conservadores para outros de maior risco, como os fundos multimercado e de ações”, diz Fontana.
Ao diversificar a carteira e incluir esses tipos de investimentos, o investidor terá de se acostumar ao fato de que não poderá mais contar com um patamar fixo de retorno todo mês.
“Haverá altos e baixos: meses rodando negativo, outros com retorno zero e outros com retorno positivo interessante. Será necessário ter um horizonte de pelo menos dois anos, mas idealmente acima de três”, explica Caio Santos, sócio da Ibiúna Investimentos.
E o que seria um retorno interessante? Com os juros tão baixos, o CDI deixa de ser o melhor referencial. Os especialistas ouvidos pela reportagem estimam que, para um produto de perfil de risco moderado, ganhar a variação do IPCA mais algo entre 4% e 6% será um resultado bastante satisfatório. Já investidores de fundos mais complexos e estruturados, de perfil arrojado, podem almejar um retorno nominal de 10% a até 15% ao ano.
“Nosso fundo multimercado fechou o ano passado com 17% de ganho, e neste ano já entregou 14%. Mas ele não deve ser 100% do portfólio de um cliente, e sim uma parte”, diz Santos, da Ibiúna.
Rentabilidade é importante, mas não deve ser o único parâmetro usado pelo investidor para escolher em qual produto aplicar.
“Ele deve identificar as estratégias do fundo e ver se o gestor consegue entregar isso com um gerenciamento de risco adequado”, diz Fontana. “É preciso olhar a parte qualitativa, o histórico da gestora, o patrimônio sob gestão, as métricas de risco. O mercado é muito vasto.”