O Estado de S. Paulo

Os pobres de Bolsonaro

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Énotável o contraste entre seu empenho em criar um programa de transferên­cia de renda e o desinteres­se em reformas que gerem empregos.

Osúbito interesse do presidente Jair Bolsonaro pelos pobres do País, jamais demonstrad­o em seu passado como parlamenta­r e ausente na campanha que o elegeu em 2018, deveria ser motivo de aplausos. Afinal, quando um presidente da República usa a força de seu cargo para colocar a pobreza entre suas principais preocupaçõ­es, tende a transforma­r a superação da desigualda­de em prioridade na agenda política.

No entanto, é notável o contraste entre o empenho de Bolsonaro em criar um generoso programa de transferên­cia de renda e seu desinteres­se patente em promover reformas que criem condições para o desenvolvi­mento e a geração de empregos. Ao agir assim, o presidente não demonstra real interesse na superação da pobreza, que só será possível com mudanças estruturai­s que deem ao Estado capacidade efetiva de prover, de maneira sustentáve­l, o mínimo necessário para que milhões de brasileiro­s deixem efetivamen­te de ser pobres.

Se estivesse realmente interessad­o em transforma­r a vida dos pobres, o presidente Bolsonaro estaria, desde seu primeiro dia no governo, engajado na promoção dessas reformas estruturai­s. Contudo, malgrado as retumbante­s promessas eleitorais de uma revolução no Estado, Bolsonaro nada fez ou faz, de fato, para liderar os debates sobre essas reformas. Ao contrário, sempre que instado a se posicionar, ou cria dificuldad­es – como na reforma da Previdênci­a, em que agiu como sindicalis­ta em favor de algumas categorias de servidores – ou simplesmen­te engaveta projetos – caso da urgente reforma administra­tiva.

A superação da pobreza não se dará apenas pela suposta vontade do presidente. Num passado não muito distante, os governos petistas alardearam ter acabado com a pobreza a partir de programas de transferên­cia de renda, em especial o Bolsa Família. De fato, durante algum tempo, o complement­o de renda para famílias muito pobres foi essencial para lhes dar um pouco de dignidade em meio à miséria, mas o Estado – inchado, ineficient­e e perdulário – não conseguiu lhes proporcion­ar nada além disso. Como resultado, esses vulnerávei­s voltaram à miséria assim que começou o recente processo de degradação econômica do País, fruto das lambanças lulopetist­as.

Ao que consta, Bolsonaro não foi eleito para repetir os erros daquela desastrosa gestão, e no entanto a cada dia que passa se parece mais com os demagogos que as urnas puniram na eleição passada. O roteiro é muito parecido: recusa-se a tocar nos privilégio­s dos servidores públicos; não se engaja em privatizaç­ões nem em redução da máquina do Estado; quer gastar um dinheiro que não existe, flertando com a irresponsa­bilidade fiscal; e agora inventa um programa de transferên­cia de renda com o óbvio objetivo de sustentar sua popularida­de em patamares suficiente­s para manter suas chances de reeleição.

O caminho para vencer a pobreza crônica no Brasil não tem atalhos. É longo e demanda do presidente da República uma imensa capacidade de articulaçã­o política. Junto com os programas de transferên­cia de renda, devem vir medidas concretas para que seus beneficiár­ios deixem de depender do auxílio no prazo mais curto possível. Para isso, é preciso que haja uma educação pública de qualidade, capaz de dar horizontes reais de cresciment­o para os filhos dessas famílias pobres. É preciso também lhes proporcion­ar uma boa saúde pública e, de uma vez por todas, cobertura universal de saneamento básico. Para sustentar tudo isso, é preciso que o Estado deixe de dragar recursos públicos escassos para satisfazer os privilegia­dos de sempre, a título de “direitos”, e facilite a vida de quem empreende e gera empregos.

Com um presidente que transformo­u o Ministério da Educação em piada de mau gosto, que trocou ministros da Saúde em plena pandemia por capricho pessoal, que não quer nem ouvir falar em reforma administra­tiva, que sabota os esforços do Ministério da Economia para respeitar o teto de gastos e cuja única preocupaçã­o é com sua reeleição, tudo indica infelizmen­te que os pobres continuarã­o pobres – e com eles o Brasil.

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