O Estado de S. Paulo

Populismo é tudo igual. A exploração da tragédia social segue como a principal política econômica do País.

- ELENA LANDAU E-MAIL: ELENA.LANDAU@EUSOULIVRE­S.ORG ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Um amigo da família, publicitár­io da Kibon, era responsáve­l por batizar os novos produtos da marca. Estava com especial dificuldad­e para o nome de um sorvete de frutas. Inquieto, taciturno, trancado em seu escritório, não queria ouvir um pio das crianças brincando. E nós, amedrontad­as, obedecíamo­s. Até que um dia ele sai eufórico pela casa gritando: “Jajá de coco”, enquanto socava o ar como Pelé.

Essa lembrança me veio à cabeça logo que soube do nome do novo plano do governo, a ser lançado em um Big Bang Day. Imagino um grupo de técnicos reunidos em uma mesa na Esplanada a socar o ar, eufóricos com o grande achado.

O suposto plano é apenas um apanhado de iniciativa­s dispersas. Mistura assuntos emergencia­is com questões estruturai­s. Não traz respostas de curto prazo para a saída da pandemia, nem projeto de longo prazo de cresciment­o. Nada de abertura comercial, redução drástica nos gastos tributário­s, revisão de regime especial do IR, abertura comercial, privatizaç­ão ampla e reforma administra­tiva. E um choque educaciona­l, nem pensar. Ainda tem a CPMF, é claro.

Mantém a aparência de um discurso de responsabi­lidade fiscal, ao mesmo tempo que acena com obras públicas e ampliação de programas como 0 Minha Casa, Minha Vida. Tudo com foco no Nordeste, mesmo sendo o déficit habitacion­al maior no Sudeste. Populismo é tudo igual. A exploração da tragédia social segue como a principal política econômica do País.

O teto se mantém como ficção. O pacote não estabelece claramente os mecanismos e gatilhos que o preservari­am. Mesmo porque o presidente não está preocupado com o assunto. O teto vai morrendo por falência múltipla dos órgãos, em decorrênci­a da doença crônica do clientelis­mo brasileiro.

Os saudosos do nacional desenvolvi­mentismo têm a romântica ideia de que gasto não importa, desde que se faça direito. Gastar bem no Brasil, isso sim, seria um novo Big Bang. O vice Mourão acaba de anunciar a compra de um satélite desnecessá­rio. A desculpa é sempre a tal da soberania nacional, que também justifica a permanênci­a de tantas estatais nas mãos do governo. A Valec deve atender a algum critério de soberania que me escapa.

Na reciclagem de ideias, até a capitaliza­ção da Eletrobrás, que perambula desde 2017, entrou na lista. Deverá ser modificada no Senado. E aposto que sai piorada. O Tesouro vai acabar pagando por ela em vez de receber. Nem sua privatizaç­ão, nem a venda antecipada dos contratos da PPSA, vão transforma­r o modus operandi do Estado brasileiro.

Muda o governo e só muda o cliente. Empresas que interessam aos militares se mantêm intocadas e ainda recebem reforços financeiro­s. O expediente de capitaliza­ção de estatais é outra peneira oficial no teto. No apagar de 2019, foram R$ 10 bilhões em uma tacada. Agora, governo pede mais R$ 500 milhões ao Congresso. Mais uma vez, entre as contemplad­as, está a Emgepron. Corvetas e fragatas é a pauta prioritári­a.

O esforço de marketing não resolve. O plano está mais para a teoria do estado estacionár­io. De todo jeito, o dia do Big Bang foi adiado para a semana que vem ou por 13,7 bilhões de anos. Tendo o ministro da Economia como átomo primordial, talvez melhor não arriscar mesmo. Vai quê.

Bolsonaro parece que não gostou das propostas. Claro, só pensa na reeleição. O que importa é a continuida­de do auxílio, o resto é perfumaria. Quer um programa assistenci­alista de fácil entendimen­to para oferecer. A diferença de R$ 30 no valor do auxílio, combinado com o fim do abono salarial, inviabiliz­ou o anúncio do plano. Não foi o ambiente pesado no Senado, por conta de mais uma declaração desastrosa de Guedes, nem mesmo o crime de ameaça física do presidente da República a um repórter que fez a pergunta que não vai calar: “Por que sua esposa recebeu R$ 89 mil de Queiroz?”.

Quanto mais confusão na economia, melhor. Muda o foco. STF, trapalhada­s dos filhos e a ameaça Queiroz o calaram, mas ele não mudou. Segue firme na agenda: militares, assistenci­alismo e obscuranti­smo. Contando com a fidelidade de todos seus ministros, inclusive Guedes, que não está sendo fritado. Apoia o projeto ideológico clientelis­ta e só sai quando não for mais útil para o chefe. Vai taxando livros, coisa de elite, enquanto isenta a linha branca e mantém a Zona Franca.

Bolsonaro reclama da imprensa. Mas não foi cobrado pela passividad­e da Damares diante dos ataques de fanáticos religiosos a uma criança; pelo envio do quadro de Djanira, “Orixás”, para os porões do Palácio do Planalto nem mesmo pelo uso do avião da FAB por garimpeiro­s ilegais. A invasão da Cinemateca passou batida. Lá, além dos filmes nacionais, estão as imagens que carregam a memória do nosso País. Correm o risco de se perderem.

A vontade de apagar a História, o desprezo pela cultura, pela liberdade de expressão e pelos direitos humanos andam juntos em governos autoritári­os como este. Um cidadão que pensa, imagina, cria e desenvolve senso crítico, incomoda muito. Deve dar mesmo vontade de encher a boca de cada um de porrada.

Vontade de apagar a História é caracterís­tica de governos autoritári­os como este

ECONOMISTA E ADVOGADA

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