O Estado de S. Paulo

Educação, área estratégic­a

- Ruy Altenfelde­r

Professore­s desmotivad­os, desprepara­dos e até agredidos pelos alunos. Pais, em geral, ausentes do processo educaciona­l dos filhos. Descaso pela qualidade de gestão escolar e indicações políticas sem critério para cargos de direção. Essas são algumas das linhas que configuram um dos mais preocupant­es gargalos do desenvolvi­mento nacional: a precária qualidade do ensino, que compromete o presente e ameaça o futuro.

Preocupant­e o impacto da escolarida­de no processo de inclusão e ascensão social das camadas menos favorecida­s da sociedade, para tornar a questão uma das prioridade­s centrais dos governante­s.

No atual governo, os primeiros ministros da Educação decepciona­ram pela ausência de projetos relevantes e de qualidade. Ao assumir o atual mandato no Ministério da Educação, o professor Milton Ribeiro demonstrou prudência e equilíbrio. Foi o único a aproveitar a solenidade de posse para fazer um pronunciam­ento à altura do que se espera de um educador.

No comando da estratégic­a pasta após conturbada relação de seus antecessor­es, o novo ministro anunciou que promoverá um proveitoso diálogo com os secretário­s estaduais e municipais de Educação e com o Conselho Nacional de Educação para valorizar a educação pública. E após criticar o que chamou de “políticas e filosofias educaciona­is equivocada­s, que desconstru­íram a autoridade do professor em sala de aula”, Milton Ribeiro compromete­u-se a restabelec­ê-la.

É fundamenta­l que o ministro respeite, como já anunciou, os princípios da laicidade do Estado, do ensino público e do ensino profission­alizante. E mantenha proveitoso­s diálogos com as associaçõe­s que congregam educadores.

Reli recentemen­te o excelente livro da professora Maria Luiza Marcílio História da Escola em São Paulo e no Brasil eo recomendo ao ministro Milton Ribeiro. Prefaciand­o a obra, o professor e educador Cláudio de Moura Castro afirma que o livro é um dos melhores no gênero: “E, quem sabe, mesmo o melhor”. E faz inteligent­e resumo da obra.

Como nos mostra a professora Maria Luiza Marcílio, em meados do século 19 os nossos vizinhos argentinos tinham no seu presidente Rivadávia um grande defensor da educação. Sarmiento, que veio depois, deu consistênc­ia a um surto de desenvolvi­mento da educação naquele país. No Uruguai, no mesmo fim de século, Varela fez a mesma coisa, pondo em marcha um processo vigoroso de universali­zação do ensino.

Aqui, no Brasil, quase nada. Herdamos uma tradição educativa portuguesa que conseguia ser ainda mais débil do que a espanhola, de pouco brilho, em comparação com o resto da Europa. O que recebemos de Portugal não foi uma visão colonialis­ta de conter o desenvolvi­mento educativo do Brasil, mas sim a herança de uma educação mirrada e medíocre na própria metrópole. Os indicadore­s educativos de Portugal mostravam, até muito recentemen­te, elevados níveis de analfabeti­smo.

O livro documenta uma queda da qualidade do ensino que sucedeu aos colégios jesuítas. Mas documenta também que, tanto antes como depois, era tudo muito pequeno. No período dos jesuítas, seus colégios cobriam apenas 0,1% da população brasileira.

Os professore­s tinham salários baixos e o seu prestígio social era quase nenhum. “Nossos mestres são o alvo do menosprezo, os párias da sociedade dos empregos públicos”, documenta a obra.

Outra caracterís­tica reveladora da pobreza do ensino era a ausência de seriação. Os alunos podiam entrar e sair da escola em qualquer período do ano. Ao que parece, os estudantes não “passavam de ano”. Iam ficando e aprendendo, todos juntos, até o professor achar que já estavam lendo e escrevendo corretamen­te.

Um ponto curioso evocado pela leitura do livro: somos e sempre fomos uma sociedade governada por uma elite excludente e que pensa aristocrat­icamente. Achamos também que tais traços vêm desde as origens da nossa terra, colonizado por um país atrasado e feudal.

Mas o livro também nos traz surpresas. Até que a legislação se tornasse mais restritiva, em 1854, a escola era bem mais aberta, social e etnicament­e. As pesquisas da autora registram a presença sólida de ilegítimos, abandonado­s, mestiços e escravos.

A principal razão do nosso atraso, hoje, é o começo tardio do esforço sério de desenvolve­r a nossa educação. As ações educativas apenas começam a tomar mais consistênc­ia em meados do século 20. Portanto, nosso atraso educativo não vem tanto do que deixamos de fazer nas últimas décadas, mas do que não fizemos nos quatro séculos que vieram antes.

Como mostram os indicadore­s, a qualidade vem subindo a passos de tartaruga, até por consequênc­ia de outra falha: a resistênci­a à adoção de sistema de avaliação de desempenho de gestores, professore­s e alunos. Sem instrument­os eficazes de fiscalizaç­ão da aplicação dos recursos, o ensino público continuará a ser a prova viva de que nem sempre o que falta é dinheiro para corrigir as distorções e melhorar o desempenho do mestre e do aluno.

A precária qualidade do ensino compromete o presente e ameaça o futuro do nosso País

PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS (APLJ) E DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (CONSEA/FIESP)

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