O Estado de S. Paulo

‘As indústrias é que vão ser as protagonis­tas das mudanças’

Para a executiva, fator decisivo do novo olhar para o meio ambiente é entender o conceito de economia circular

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Luísa Santiago, diretora executiva da Fundação Ellen MacArthur na América Latina, defende o conceito de economia circular, que se baseia em eliminar a noção de resíduo e poluição, manter materiais em uso e regenerar sistemas vivos. Nesta entrevista ao Estadão, ele aponta Colômbia e Chile como países que têm boas práticas de políticas públicas na América Latina. No Brasil, diz Luísa, é preciso fomentar cadeias produtivas locais com produtos para se manterem na economia, e não descartáve­is. E adverte: “As indústrias vão ser as protagonis­tas da mudança porque foram elas que criaram a economia linear”.

• Como você definiria economia circular e quais países têm as melhores práticas?

Ela congrega a ideia de geração de valor econômico com um ambiente saudável e benefícios para a sociedade. Ela se baseia em três princípios: eliminar a noção de resíduo e poluição, manter materiais em uso e regenerar sistemas vivos. Difere-se radicalmen­te de como a economia funciona hoje, em que você extrai recursos, consome e descarta.

• Algum país está fazendo isso? Na América Latina, você tem a Colômbia e o Chile como expoentes. A Colômbia foi o primeiro a lançar uma estratégia para economia circular, que significa olhar não mais olhando para o extrativis­mo, mas sim para as riquezas naturais da região. O Chile está desenvolve­ndo uma estratégia de economia circular.

• O que o Brasil precisa fazer?

O Brasil entrou no processo de industrial­ização tardia e tem uma visão extrativis­ta linear. Nas últimas décadas, ao PIB do País se baseou amplamente em extração de recursos minerais e também uma agricultur­a extrativis­ta, monocultor­a. No boom das commoditie­s, o Brasil extraiu mais e mais minérios para mandar para a China. Para o Brasil ter um protagonis­mo, precisamos olhar os nossos recursos de forma a agregar valor. Como olhar para uma bioeconomi­a de forma a regenerar sistemas?

• Com a queda do consumo individual, as empresas terão queda em suas receitas? O que mostra a experiênci­a internacio­nal?

Na economia linear, você precisa de um ser humano consumindo a todo momento. Mas isso não vai funcionar por muito tempo, porque, ao descartar, a gente descarta também muito dinheiro. Uma empresa que produz um cosmético está vendendo uma embalagem com ele. A embalagem não é o que o consumidor quer, ele joga aquilo fora. Agora, quando você pensa em uma economia circular, você tira o consumidor do papel de consumidor e o coloca no papel de usuário. Quando você prolonga o material em uso, o usuário deixa de perder. A Philips, por exemplo, está vendendo estações de luz em vez de vender lâmpadas; a Coca-Cola criou as garrafas universais que permitem a retornabil­idade.

• Qual é o papel do governo nas mudanças?

A construção de uma economia circular é uma mudança sistêmica. É preciso o envolvimen­to de governos, empresas, academia. É a ideia de transdisci­plinaridad­e, porque políticas de governo dessa lógica não vão sair necessaria­mente do Ministério do Meio Ambiente. Em geral, os países que estão fazendo transições robustas estão partindo do Ministério da Economia, é uma política interminis­terial. Muitas vezes, a máxima do discurso ambientali­sta colocou no consumidor a potência da mudança. Mas isso é muito perverso. Para a construção de um sistema em que ele possa ser um usuário de produtos e serviços, ele vai participar de novas estratégia­s, mas as indústrias vão ser os protagonis­tas na mudança, porque foram elas que criaram a economia linear./ E.M. e G.J.

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